Deltan cita ações do STF contra o bolsonarismo para rebater críticas à Lava Jato

Dez anos depois do início da operação, ex-procurador diz que os fatos é que eram midiáticos

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São Paulo

Dez anos depois do início da Lava Jato, o ex-procurador Deltan Dallagnol cita o atual cerco judicial contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para rebater as críticas sobre excessos da operação deflagrada em Curitiba.

Deltan, que se elegeu deputado federal pelo Podemos-PR em 2022, mas foi cassado no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) por alegada violação à Lei da Ficha Limpa, defende o trabalho que coordenou, atacando a ofensiva ao bolsonarismo conduzida no STF (Supremo Tribunal Federal) pelo ministro Alexandre de Moraes.

"Vimos muitas pessoas fazerem espuma em torno de supostos excessos da Lava Jato, e hoje se vê um silêncio eloquente dessas mesmas pessoas em relação a abusos escrachados e comprovados do Supremo", disse ele à Folha, listando prisões sem acusações formalizadas e impedimento por Moraes de acesso aos autos pelas defesas.

Fora do Ministério Público —e do Congresso— Deltan hoje se dedica à política dentro do partido Novo, onde diz atuar com capacitação de lideranças pelo país.

O deputado federal cassado Deltan Dallagnol, ex-coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Paraná - Gabriel Cabral/Folhapress

Muito ativo nas redes sociais, participa ainda semanalmente de um programa de debates no site do jornal Gazeta do Povo, no qual as decisões do Supremo são tema frequente, assim como o governo Lula (PT), principal réu da investigação que coordenou.

Em fevereiro, Deltan compareceu ao ato promovido por Bolsonaro na avenida Paulista em protesto contra as decisões do Supremo. Fez selfie, vestido de verde e amarelo, com os militantes bolsonaristas, ao lado do governador de Minas, Romeu Zema, também do Novo.

A operação da qual ele foi um dos rostos mais conhecidos —e que completa dez anos de sua primeira fase neste domingo (17)— entrou em declínio a partir de 2018 em meio a contestações sobre os métodos adotados, como a manutenção de prisões antes de julgamentos e o uso em massa de delações premiadas.

Até o ministro do Supremo Edson Fachin, relator da Lava Jato e um antigo defensor das decisões de Curitiba, afirmou em artigo à Folha na última semana que a operação mostrou "inaptidão de resistir aos apelos da repercussão midiática".

Um marco dessa queda foi a revelação de mensagens hackeadas do celular dele, pelo site The Intercept Brasil e outros veículos, entre eles a Folha, em 2019.

A divulgação dos diálogos, mostrando proximidade com o então juiz Sergio Moro, comprometeu a credibilidade do trabalho feito e serviu de motivação para a anulação de antigas decisões, sendo citados recentemente na invalidação de provas do acordo da empreiteira Odebrecht.

Lava Jato e ações contra Bolsonaro

Deltan rejeita o paralelo traçado por alguns advogados e professores de direito que veem semelhança de métodos entre a Lava Jato e a atual ofensiva contra o bolsonarismo no STF.

Um dos principais momentos das investigações contra Bolsonaro, por exemplo, foi a assinatura do acordo de delação do ex-ajudante de ordens Mauro Cid após meses na prisão, em roteiro parecido com o que acontecia na operação em Curitiba.

"As decisões de investigação eram submetidas a três instâncias recursais, diferentemente do que acontece hoje no STF, que investiga e processa pessoas sem foro e sem qualquer indicativo de ter competência para tanto", diz Deltan.

Ele afirma que a Lava Jato também "nunca manteve pessoas presas por cinco, seis meses sem uma acusação criminal" e que o Supremo usa os mandados de prisão para "forçar delações".

"Nunca tivemos em Curitiba um juiz vítima dos crimes julgando as pessoas que supostamente são seus algozes. Nunca tivemos restrição de acesso aos autos contra os advogados, como acontece hoje."

Ele afirma que isso mostra que, "em grande medida, o discurso de abusos era para proteger um lado da política e políticos de estimação corruptos".

Apoio a Bolsonaro

Eleitor declarado de Bolsonaro em 2022, o ex-chefe da força-tarefa de Curitiba afirma que não conhece a fundo as investigações envolvendo o ex-presidente porque a maior parte delas está sob sigilo.

Do que já teve conhecimento, diz que há uma "série de ilegalidades". "São arbitrariedades com o objetivo definido: punir seja Bolsonaro ou pessoas vinculadas a Bolsonaro."

E continua: "Li todas as decisões que vieram a público. Estou presumindo que as decisões fizeram menção a todas as provas e fatos relevantes existentes. Se esse pressuposto for verdadeiro, não existe nenhuma prova de ato de execução praticado por Jair Messias Bolsonaro em relação ao eventual crime de golpe de Estado ou de abolição do Estado democrático de Direito. O que veio à tona até agora foi ato preparatório".

Para ele, atos de "preparação ou de cogitação não são crimes debaixo da nossa lei". "Se houve algum ato de execução, que sejam punidos. Mas atos de cogitação e de preparação, que eu vi virem à tona agora, não são atos puníveis."

Os quatro sorriem em selfie e estão em caminhão de som acima de multidão que veste verde e amarelo
A pré-candidata a prefeita Marina Helena, ao lado do deputado federal Marcel Van Hattem, do governador de Minas, Romeu Zema, e do ex-procurador Deltan Dallagnol, durante ato promovido por Jair Bolsonaro na avenida Paulista, no dia 25 de fevereiro - Deltan Dallagnol no Facebook

Lula

A reportagem perguntou ao ex-procurador se a atividade política dele hoje e as críticas constantes a Lula não comprometem ainda mais o trabalho que foi desenvolvido na Lava Jato e que resultou na prisão do atual presidente por 580 dias, em 2018 e 2019.

Deltan já chegou a afirmar neste mês, por exemplo, que é necessário "tirar do poder aquele que nunca deveria ter voltado para lá". Além do ex-procurador, o ex-juiz Sergio Moro hoje é senador pela União Brasil-PR.

À Folha Deltan disse que "argumentos e narrativas sempre vai haver e não temos como impedir".

"É natural que, depois do desmonte do combate à corrupção, eu dou um passo para a política e vá defender as causas que eu sempre acreditei e que eu vá me opor à permanência de alguém que foi multicondenado, ainda que tenha tido seu caso anulado, jamais inocentado, na Presidência da República."

Vaza Jato

Ao ser questionado sobre episódios que vieram à tona com a divulgação das mensagens, como discussões com o juiz do caso e a indicação para que uma prova fosse incluída em uma denúncia, repete a tática que adotou desde 2019. Diz que não reconhece a autenticidade das mensagens, mas afirma que não houve nenhuma irregularidade ou violação ética.

Também ao discorrer sobre o assunto, rebate atacando o STF. Diz que existe "uma imensa hipocrisia" dos críticos sobre a situação ocorrida na Lava Jato que não contestam "as reuniões dos ministros Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e o presidente da República em jantares fechados".

"Jantares feitos para discutir assuntos políticos, inclusive em que se fariam indicações por parte de ministros, de pessoas para ocuparem cargos-chave, do TSE, do próprio Supremo, do Tribunal de Contas, o que caracteriza uma imensa promiscuidade entre os Poderes. E eu não vejo nenhuma crítica, nenhuma indignação da imprensa."

Diz que, se contatos com juízes fossem proibidos, os primeiros a se opor seriam "os advogados, que vão diariamente despachar seus pedidos perante a Justiça, sem a presença do Ministério Público".

"Nunca fui amigo pessoal de Sergio Moro, nunca fui a uma festa de aniversário dele, ele não foi a festa minha, não foi convidado para o meu casamento. Ele sempre manteve uma relação de distanciamento pessoal em razão do trabalho."

Aparição constante na mídia

"O que foi midiático na Lava Jato não foi a pessoa A ou pessoa B, foram, sim, os fatos. Os fatos eram gravíssimos, envolviam desvios de bilhões de reais pelas pessoas mais importantes do quadro político do país", diz Deltan, ao responder sobre a importância que os procuradores davam à mídia na época.

Segundo o ex-procurador, era necessário buscar o apoio da opinião pública, "não como um fim em si mesmo, mas como o único instrumento que havia para lutar contra os donos do poder, para que aquela operação não fosse dizimada do dia para a noite, pelas pessoas mais poderosas do país".

"O que sustentou a Lava Jato ao longo desses anos foi a exposição pública dos fatos, das provas, da lei, a discussão pública, a transparência, a realização de entrevistas, a prestação de informações e esclarecimentos para a sociedade ao longo de tanto tempo. Eu não me arrependo de ter feito tudo que estava ao meu alcance, dentro da Constituição e da lei", diz.

O pós-Lava Jato

Deltan diz que a sua exoneração do Ministério Público, ocorrida em 2021, foi a "decisão mais difícil da vida" e que foi para a política para tentar evitar "o desmonte do combate à corrupção e avançar medidas para que pudesse seguir na trincheira em que a mudança efetivamente acontece".

Ele afirma que há perseguição a antigas autoridades da Lava Jato. "Basta ver quantos procuradores estão na ativa, ou policiais federais, ou juízes que tem dado entrevistas sobre o combate à corrupção. Se isso não é censura, direta ou indireta, eu não sei o que é. Ninguém hoje tem coragem de falar."

Para ele, há um "imenso esforço hoje do establishment político para domesticar a Polícia Federal e o Ministério Público por meio de órgãos correcionais, de processos punitivos".

Cita operação em 2023 que atingiu o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e que foi anulada por decisão de Gilmar Mendes como um exemplo da situação do combate à corrupção depois que a Lava Jato sofreu reveses em série no Judiciário.

"Quando existe uma operação, os poderosos hoje podem ficar tranquilos que os seus processos vão ser enterrados, como aconteceu com a Operação Hefesto [que investigou pessoas ligadas ao deputado alagoano]."


Deltan Dallagnol, 44

Foi procurador da República de 2003 a 2021. Graduado em direito pela Universidade Federal do Paraná, tem mestrado na Universidade Harvard (EUA). Chefiou a força-tarefa de Curitiba de 2014 a 2020. Em 2022, se elegeu deputado federal pelo Paraná, mas foi cassado depois de três meses no cargo

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