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Nova ferramenta nas mãos de STF e governo pode reduzir poder do Congresso

Dino tem proposta para dar à corte papel central na disputa pelo Orçamento

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Eloísa Machado de Almeida

Professora e coordenadora do Supremo em Pauta FGV Direito SP

Foi criada uma expectativa sobre o impacto da nomeação de Flávio Dino como ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), em razão de sua trajetória política pregressa, com sucessivos mandatos como deputado, governador, senador e, mais recentemente, à frente da pasta do Ministério da Justiça.

Uma pista sobre o impacto de Flávio Dino no colegiado do Supremo pode ser vista na sessão que julgou ações da chamada "pauta verde", levadas ao tribunal para contestar ilegalidades e omissões do governo Bolsonaro na área ambiental.

Nesse julgamento, Dino mostrou o que sua experiência política pregressa pode trazer para o tribunal.

Para além das considerações políticas sobre avanços do atual governo na área ambiental que, caso ignoradas, prejudicariam o país na realização de COP e G20, Dino propôs ao tribunal um papel central a ser desempenhado na governabilidade: a disputa pelo Orçamento.

Flávio Dino em sua primeira sessão plenária no STF, em fevereiro - Pedro Ladeira - 28.fev.24/Folhapress

Como se sabe, o tribunal tem enfrentado dificuldades de impor suas decisões em processos estruturais, como se viu nas tentativas de contenção das operações policiais em comunidades ou de melhoria do sistema prisional.

Na verdade, falta um processo constitucional que regule esses casos; porém, na sua falta, o tribunal vai criando suas próprias regras. Dentre essas regras está a criação, no âmbito do Supremo, de um núcleo de processos estruturais complexos, voltado ao monitoramento da execução de suas decisões.

Uma das propostas feitas por Dino é a de que as decisões do Supremo em matérias estruturais, que demandam ações do poder público, venham acompanhadas de "expressa autorização" de abertura de crédito extraordinário pelo Executivo e notificação do Congresso Nacional.

O ministro fez menção a uma experiência anterior, conduzida pelo ministro Luís Roberto Barroso, na qual foi determinada a abertura de crédito extraordinário para cumprir a decisão de desintrusão de terras indígenas, diante da explosão de invasões no governo Bolsonaro.

A decisão de Barroso fundamentou medida provisória enviada ao Congresso solicitando a abertura de crédito extraordinário, posteriormente aprovada. Dino participou da execução dessa decisão judicial, como ministro da Justiça.

A proposta feita por Dino, agora, é ampliar e institucionalizar no Supremo a determinação de abertura de crédito extraordinário para cumprimento de suas decisões judiciais.

Para que o Executivo possa abrir crédito extraordinário, a Constituição exige que as despesas sejam imprevisíveis e urgentes, dando como exemplo as situações de declaração de guerra, comoção interna ou calamidade pública, que assuma a forma de uma medida provisória e que seja aprovada pelo Congresso.

Toda essa cautela se justifica pela centralidade que o Orçamento ocupa na ordem constitucional, instrumento ordenador de prioridades, de realização dos direitos fundamentais e das promessas constitucionais.

Em tese, havendo situações imprevisíveis e urgentes, o Executivo poderia solicitar ao Congresso a abertura de crédito extraordinário. Por que razão, então, deveria o tribunal incluir isso em suas decisões?

A primeira razão é a de que nem todas as obrigações reconhecidas pelo Supremo seriam imprevisíveis – parte delas, inclusive, está prevista desde 1988.

Nesse sentido, permitir a abertura de crédito extraordinário por decisão judicial para todo caso estrutural seria um arremedo para uma situação prática de mau planejamento orçamentário. É aqui que a ideia se conecta com um cenário político maior.

Na apresentação de sua proposta, Dino afirmou que isso seria necessário em um contexto de "parlamentarização do Orçamento", diante de reiteradas medidas que fortaleceram o papel do Legislativo na definição do Orçamento, inclusive com a transformação de rubricas de dotação orçamentárias em emendas parlamentares.

O debate é um exemplo do desarranjo provocado pelas emendas parlamentares: a capacidade do Executivo de implementar políticas públicas de concretização constitucional é esvaziada pelas emendas, o que, por sua vez, pode gerar o reconhecimento de omissões inconstitucionais do Executivo que, por decisão judicial, estará autorizado a abrir crédito extraordinário para, finalmente, implementar a política pública.

Trazer o Supremo para o debate sobre créditos extraordinários poderia retirar o custo do Executivo em solicitá-los ao mesmo tempo em que constrangeria o Congresso a aprová-los, sem que isso acarrete ilações sobre irresponsabilidade fiscal.

Ainda garantiria ao tribunal o cumprimento de suas decisões. Mas não deixa de ser a institucionalização de um desvio diante de outro desvio.

A depender do volume e do alcance que expressas autorizações para abertura de crédito extraordinário sejam determinadas pelo Supremo, pode-se imaginar a criação de uma nova ferramenta de governabilidade operada por Executivo e Supremo, diminuindo o poder que o Congresso tem, hoje, na definição do Orçamento.

Dino, o político que se tornou ministro, chegou ao Supremo.

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