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Não há evidências de que feto abortado seja usado em cosméticos, diferentemente do que diz autor de PL

Para embasar a desinformação, deputado Sóstenes Cavalcante usa histórias que foram desmentidas

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São Paulo

O deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), autor do projeto de lei Antiaborto por Estupro (PL 1904), desinforma, em post, ao afirmar que fetos de bebês abortados são usados na indústria de cosmético. Não há evidências disso.

"Urgente: Descubra a verdade por trás das motivações do aborto e a relação com empresas multimilionárias que utilizam fetos em produtos farmacêuticos", ele escreveu em publicação —somando as visualizações no X e no Instagram, foram mais de 1 milhão. No vídeo que acompanha o post, Cavalcante diz que as campanhas contra a votação do projeto seriam uma cortina de fumaça de movimentos "abortistas e esquerdistas". Segundo ele, "há uma indústria mundial, liderada por um senhor chamado George Soros, um milionário americano que patrocina mundo afora o aborto, o assassinato de bebês indefesos". Como o projeto Comprova já mostrou, Soros é citado com frequência em teorias da conspiração.

Fotografia tirada de baixo para cima mostra o deputado federal Sóstenes Cavalcante no plenário da Câmara dos Deputados. Ele usa terno e gravata azul marinho, camisa branca e óculos de grau. O deputado fala no microfone e faz gesto de espera com as mãos.
Deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), autor do projeto de lei Antiaborto por Estupro - Mario Agra - 13.mar.2024/Câmara dos Deputados

Para embasar suas declarações, o deputado usa a captura de tela de um texto de Carlos Heitor Cony, publicado na Folha, sobre o livro "Babies for Burning" ("Bebês para Queimar"), de 1974. Na coluna, de 2008, Cony escreve que os autores, Michel Litchfield e Susan Kentish, "souberam, por meio de informações esparsas, que a indústria do aborto, como qualquer indústria moderna, tinha uma linha de subprodutos: a venda de fetos humanos para as fábricas de cosméticos". Em um dos trechos, conta Cony, um médico que conversou com os jornalistas supostamente diz que os bebês choram "como desesperados" antes de serem colocados no incinerador. O que Cavalcante omite, entretanto, é que grande parte do conteúdo do livro, que criticava a Lei do Aborto do Reino Unido, se baseava em evidências enganosas e gravações inexistentes e a obra foi desmentida pelos autores, ainda na década de 1970. Na época, o Bpas (Serviço Britânico de Aconselhamento sobre Gravidez), instituição de caridade independente de saúde, moveu uma ação contra os editores e autores. Como resultado, o livro foi retirado de circulação e os autores pediram "desculpas por qualquer sofrimento e dano" causado, como é possível ver no resumo do caso publicado pelo banco de dados britânico Wellcome Collection.

"Esses réus, embora não se afastem de forma alguma de suas críticas gerais à Lei do Aborto, estão felizes em aproveitar esta oportunidade para retirar as alegações feitas em ‘Bebês para Queimar’", afirmou John Prerite, advogado dos autores, durante audiência do caso em 1978.

Outra ação de difamação contra "Babies for Burning" resultou no fim da editora que publicou o título, a Serpentine Press, e na falência dos autores. O caso também foi discutido no Parlamento britânico, sendo ainda tema de uma moção lida em 1978, que abrange partes sobre a difamação e o pedido de desculpas ao Bpas. "A maior parte do livro 'Bebês para Queimar' e as alegações de seus autores foram completamente desacreditadas e repudiadas e nunca mais podem ser usadas como evidência contra a Lei do Aborto de 1967."

Contatado pela Folha para a verificação do post de Cavalcante, o Bpas reforçou que todas as afirmações dos autores foram amplamente contestadas. "O livro foi desacreditado, as gráficas o retiraram de circulação, os autores foram forçados a se desculpar por suas alegações e, após investigação, nenhuma acusação legal foi movida contra nenhum dos médicos envolvidos."

No post, o deputado também apresenta duas reportagens de 2015 sobre a suposta venda de órgãos de fetos abortados nos Estados Unidos pela ONG de saúde reprodutiva Planned Parenthood. Na época, vídeos da presidente do grupo supostamente dando detalhes sobre a venda de material fetal foram divulgados por associações antiaborto, mas, o que Cavalcante também omite, é que as gravações haviam sido editadas e as denúncias foram consideradas falsas.

Procurado pela Folha, o parlamentar disse manter sua "posição firme sobre a importância de discutir questões éticas e morais relacionadas à indústria de cosméticos e ao uso de materiais biológicos". "Não me intimido com as críticas e reafirmo meu compromisso com a defesa da vida e da ética", afirmou.

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