Cobiçado por campanha de Nunes, Nikolas mistura redes sociais com religião e ódio

Versão 2.0 do bolsonarismo, deputado se projeta em arena de Marçal e difunde discurso contra minorias

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São Paulo

Acionado para tentar alavancar a campanha de Ricardo Nunes (MDB) à Prefeitura de São Paulo, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL) desponta como um dos herdeiros do bolsonarismo com foco nas redes sociais, uso da religião e discurso contra minorias.

Visto como uma versão 2.0 daquilo que representou Jair Bolsonaro (PL), que foi projetado em programas de televisão com ataques a grupos minorizados, Nikolas foi chamado para participar de jantar em 15 de agosto com o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o marqueteiro da campanha de Nunes, Duda Lima, para dar dicas em meio ao avanço de Pablo Marçal (PRTB).

Publicamente, o deputado mineiro não tem cravado o apoio a nenhum dos candidatos, dizendo que o objetivo é focar no " inimigo em comum: a esquerda". Embora Nunes tenha o apoio formal de Bolsonaro, é Marçal quem, como Nikolas, pensa a ação política a partir do engajamento das redes sociais.

Homem de cabelo curto castanho discursa em frente ao microfone. Ele gesticula com a mão direita e usa terno cinza, com camisa branca e gravata preta
O deputado federal Nikolas Ferreira (PL) discursa na Câmara - Zeca Ribeiro - 10.out.23/Câmara dos Deputados

Liriam Sponholz, professora visitante da Universidade de Brasília e pesquisadora associada do Centro Alemão de Pesquisa em Integração e Migração, o Dezim-Institut, diz que o ataque a minorias em razão de fatores de identidade como gênero e raça vai além de mera opinião ou incivilidade na internet e é usado como estratégia para captar votos em um contexto insuflado pelas dinâmicas das plataformas digitais.

O tema é frequente na prática de Nikolas, que coleciona uma série de posicionamentos considerados por estudiosos como ataques a minorias e "apitos de cachorro" —mensagens cifradas para atrair radicais.

Um dos casos envolvendo o político fez referência à atual vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris. Em julho, Nikolas afirmou que uma eventual disputa à presidência do país norte-americano entre a democrata e o republicano Donald Trump seria "chocolate".

No mundo do futebol, a gíria significa goleada, mas Kamala ser uma mulher negra e o histórico de Nikolas levaram a questionamentos sobre racismo.

A Justiça de Minas Gerais condenou Nikolas por transfobia contra Duda Salabert (PDT-MG), deputada federal e candidata à Prefeitura de Belo Horizonte, em razão de episódio ocorrido em 2020, quando o político disse que chamaria Duda pelo pronome "ele" durante entrevista. Na época, os dois tinham sido eleitos vereadores em Belo Horizonte.

Outros casos emblemáticos envolvendo transfobia foram episódio em que Nikolas apareceu na tribuna da Câmara dos Deputados usando peruca, no dia 8 de março de 2023, e postagem na internet feita pelo deputado em 2022 de vídeo de uma aluna trans em um banheiro feminino de uma escola.

Ao mesmo tempo em que coleciona ataques a minorias, Nikolas apresenta bom desempenho no universo digital. Em pesquisas já divulgadas, foi considerado o deputado mais popular nas redes sociais, o mais buscado no Google e o político classificado como de extrema direita com maior alcance nas redes.

Segundo Hannah Maruci, doutora em ciência política pela USP e co-fundadora d'A Tenda das Candidatas, o crescimento das plataformas digitais potencializou o uso do discurso de ódio como forma de acumular capital político.

Embora usar de "polêmicas" para ganhar visibilidade sempre tenha ocorrido, uma série de características das redes, como rapidez e a lógica dos algoritmos, contribui para a exacerbação do uso do ataque a minorias para aumentar o engajamento, afirma a especialista.

San Romanelli Assumpção, doutora em ciência política pela USP e professora do IESP/UERJ (Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro), afirma que o fenômeno Bolsonaro "aumentou o capital político da intolerância". Além disso, ela identifica Nikolas como o "típico [político] praticante do discurso de ódio".

Já Liriam Sponholz afirma que discursos de ódio são "uma pauta específica na agenda da extrema direita" e tendem a produzir conflitos que alavancam as interações nas plataformas digitais.

Com Nikolas, a fama de habilidoso nas redes é explorada na venda de cursos. Um voltado a quem queria se candidatar nas eleições municipais, lançado em fevereiro deste ano e chamado Caixa Preta, promete "acesso às estratégias que mudaram o meu [do deputado] jogo na corrida eleitoral" a quem não quer "perder para um esquerdista em 2024".

Deputado federal mais votado do Brasil em 2022 e quem mais recebeu votos na história de Minas Gerais, Nikolas tem outro elemento que especialistas apontam como central na política brasileira e utilizado para movimentar as plataformas digitais: a religião, que, segundo Sponholz, tornou-se nos últimos anos coluna de sustentação de um projeto da extrema direita no Brasil.

Sobre o tema, San Romanelli Assumpção acrescenta que, assim como o discurso de ódio, a religião tende a ser usada para gerar capital político porque costuma movimentar de maneira eficiente a paixão dos eleitores.

Na atuação do deputado, o assunto aparece como questão basilar. Nikolas se apresenta como "cristão desde criança, conservador, defensor da família e dos princípios bíblicos" e afirma que a crença é um dos principais fatores que conduzem sua carreira.

Para Jefferson Rodrigues Barbosa, doutor em ciência social e professor da Unesp, Nikolas é um dos possíveis herdeiros de Bolsonaro, junto a Tarcísio e ao deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP).

Enquanto o filho do ex-presidente tem atuação central na articulação com a extrema direita internacional, Tarcísio segue o projeto bolsonarista com comportamento público mais comedido, afirma o especialista.

Nikolas, por sua vez, representaria exemplo de liderança que se aproxima de maneira oportunista do bolsonarismo raiz, na interpretação de Barbosa.

A Folha tentou contato com Nikolas Ferreira, que não respondeu. Em episódio anterior em que teve o nome vinculado ao debate sobre transfobia ou discurso de ódio, o deputado afirmou estar apenas exercendo o direito constitucional de expressar sua opinião.

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