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Eleições 2024 América Latina

O que o 'efeito Marçal' e o 'efeito Milei' têm em comum?

Apelo jovem, símbolos de virilidade, gritos antissistema e até factoide sobre cocaína aproximam os dois casos

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São Paulo

O "efeito Marçal" tem muito de "efeito Milei". Apelo jovem, símbolos de virilidade e gritos antissistema estão entre os elementos que pavimentaram a rápida ascensão política do argentino no ano passado, um movimento parecido com o que vive agora o candidato à Prefeitura de São Paulo.

Tanto lá como cá, até dois meses antes das eleições pensava-se que a disputa se daria entre as duas tradicionais forças de direita e esquerda que polarizavam o país. Uma terceira figura, a princípio resumida como excêntrica, já ameaçava bagunçar o cenário, mas poucos previam sua real dimensão.

Com exceção da internet.

O candidato à prefeitura de São Paulo Pablo Marçal (PRTB) durante debate eleitoral e o presidente da Argentina, Javier Milei, ao ganhar as eleições

Não era normal que um político postasse um vídeo e chegasse a milhões de interações, avaliavam há tempos os jovens que monetizavam com a viralização dos conteúdos de Javier Milei —marca que Pablo Marçal (PRTB) atinge frequentemente, com um número de seguidores que ultrapassava a população paulistana até a Justiça Eleitoral determinar a suspensão de suas redes até o fim do pleito.

O grupo fiel ao argentino então desdenhava das pesquisas eleitorais e dos meios de comunicação ditos tradicionais, que só perceberam o tamanho da coisa quando Milei ultrapassou os dois maiores grupos políticos nas eleições primárias. Em São Paulo, Marçal empatou com eles nesta semana, indica o Datafolha.

Também nascido no mundo privado, sem o respaldo de um grande partido, Milei vestiu naturalmente a carapuça de "outsider" (mesmo já sendo deputado federal a essa altura). Gritava contra o sistema com uma espontaneidade que combinava com seu currículo, como faz o brasileiro, separando-se dos adversários carimbados há anos na cena política.

A "economia da atenção", o anticomunismo e a linguagem da destruição são outros pontos partilhados pelos dois. No mesmo tom com que Milei agarrava uma marreta e destroçava uma maquete do Banco Central vestindo jaqueta de couro, Marçal promete desmontar "a verdadeira face do sistema" num longo vídeo sombrio.

Se o autodenominado ex-coach emplacou o boné e o "faz o M", Milei tinha seu próprio "L" de libertário e o cabelo de leão. O animal era um dos símbolos que se somavam a motosserras e luvas de boxe na construção da imagem de um candidato viril —um paralelo à medalha de "imbrochável" que Marçal recebeu de Jair Bolsonaro (PL) e exibe com orgulho.

Os cortes de internet que irritaram Ricardo Nunes e Guilherme Boulos na última semana também eram a matéria-prima central do grupo de garotos argentinos da geração Z que passava todos os dias num arranha-céu no Porto Madero, região turística de Buenos Aires, pensando em como fazer o ultraliberal estourar em seus canais.

A diferença é que eles gostavam de reforçar como tudo era orgânico, voluntário e por um grande propósito, enquanto Marçal já admitiu que remunerava em dinheiro quem conseguisse mais visualizações nas edições. Coisa que ele agora nega.

Até a cocaína foi elemento comum às duas corridas. No caso argentino, vídeos falsos de origem desconhecida simulavam o peronista Sergio Massa consumindo ou sob o efeito da droga. No caso paulistano, Marçal tem tentado associar o nome de Boulos à substância sem qualquer prova, mesmo após punição da Justiça Eleitoral.

Com esse acúmulo de estratégias e símbolos, Milei terminou tirando votos tanto do macrismo quanto do peronismo, o que Marçal começa a fazer com o bolsonarismo. Um clima de pânico então se instalou nas equipes adversárias, similar ao relatado nos grupos de Nunes e Boulos na primeira semana de campanha em São Paulo.

Após ficar atrás do ultraliberal nas primárias, o governista Sergio Massa chegou a contratar um grupo de publicitários brasileiros ligados ao PT, que viajaram ao país vizinho semanalmente para usar sua experiência nas campanhas contra Bolsonaro. Não foi suficiente, e Milei venceu com folga no segundo turno.

A equipe de Marçal não parece alheia às semelhanças. O empresário Filipe Sabará, que coordena o programa de governo do influenciador, reuniu-se com o próprio presidente da Argentina em julho, no hotel em Balneário Camboriú (SC) onde ocorreu a conferência conservadora Cpac Brasil.

O empresário Filipe Sabará com o presidente da Argentina, Javier Milei, na conferência conservadora Cpac Brasil - Arquivo pessoal

Uma série de diferenças estruturais, porém, também distancia as duas figuras.

Solteiro e adepto declarado do sexo tântrico, Milei pouco falava sobre a tríade "Deus, pátria e família" que Marçal tenta absorver de Bolsonaro. Além disso, não lidava com processos na Justiça e agia com mais base na intuição, ao passo que Marçal indica ter calculado cada movimento de marketing.

O hoje presidente contava ainda com o poderoso "hartazgo" (exaustão) dos argentinos em relação a um governo prévio difícil de defender. E dominava minimamente os temas que o fizeram ganhar a eleição: a inflação e a economia, enquanto o influenciador continua se esquivando de perguntas sobre a cidade de São Paulo.

Resta saber se, sem isso, o "efeito Marçal" terá o mesmo "efeito Milei" nas urnas.

Júlia Barbon
Júlia Barbon

É repórter de política. Foi correspondente da Folha para a América Latina, com base em Buenos Aires, e repórter de cidades no Rio de Janeiro e em São Paulo.

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