Inteligência artificial avança no setor público, mas esbarra em falta de incentivos

Apesar do aumento na digitalização, a elaboração de ferramentas de IA por órgãos públicos patina por carência de investimento

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Rio de Janeiro

Apesar dos avanços na digitalização de serviços, o setor público brasileiro ainda encontra entraves no desenvolvimento de inteligência artificial, associados ao baixo investimento em pesquisas sobre a tecnologia e à falta de uma política nacional de incentivo à IA.

Levantamento do TCU (Tribunal de Contas da União) divulgado no ano passado mostrou o baixo nível de maturidade da administração pública federal em projetos com inteligência artificial. Cerca de dois terços das organizações não adotam a tecnologia ou ainda discutem o uso de modo especulativo.

A outra parte utiliza a IA em caráter experimental ou em fase de estabilização. Os primeiros projetos ainda estão sendo produzidos, de acordo com o levantamento. Só 3,4% das iniciativas estão em estágio mais avançado, ampliando o uso da tecnologia.

Rodrigo Canalli, assessor-chefe da AIA (Assessoria de Inteligência Artificial do STF), no prédio da Corte, em Brasília
Rodrigo Canalli, assessor-chefe da AIA (Assessoria de Inteligência Artificial do STF), no prédio da Corte, em Brasília - Gabriela Biló/Folhapress

No STF (Supremo Tribunal Federal), a criação do robô Victor marcou o início do desenvolvimento próprio de IAs. Feito em parceria com a UnB (Universidade de Brasília), a ferramenta identifica processos de repercussão geral que, após o julgamento, servirão de referência para decisões em todo o país.

Rodrigo Canalli, assessor-chefe da Assessoria de Inteligência Artificial do STF (AIA), diz que a implementação fez parte do plano de gestão estratégica da ministra Rosa Weber, atual presidente da Corte. O plano incluiu a criação do núcleo, no fim do ano passado.

Hoje, a equipe trabalha para desenvolver novos recursos para a VitórIA, última tecnologia do tipo produzida apenas pela equipe do STF. A ferramenta agrupa processos por similaridade para dar o encaminhamento único, levando a um parecer mais rápido e uniforme para ações que tratam do mesmo tema.

"Mas não há uma inteligência artificial julgando o processo. O que temos é uma ferramenta que ajuda o ministro a decidir com mais segurança e com informações mais sólidas", afirma Canalli.

A pesquisa TIC Governo Eletrônico, feita pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil e divulgada em 2022, indicou que o Judiciário lidera o uso de IA entre os Poderes, seguido pelo Legislativo e pelo Executivo, respectivamente. Segundo Canalli, isso ocorre devido ao grande volume de textos padronizados nos tribunais, o que facilita a adesão à tecnologia.

O setor público brasileiro se destaca em digitalização, a exemplo do gov.br, que centraliza o acesso a serviços. Embora a inteligência artificial seja usada para otimizar parte dos processos digitais, o desenvolvimento é, em geral, incipiente.

Tiago Tavares, professor de ciência de dados no Insper, diz que a IA no setor público costuma ser elaborada por equipes internas de cada organização, o que dificulta a adoção em outras áreas e afeta o nível de maturidade no setor público nessa área.

Somado a isso, faltam concursos para especialistas que façam uso da tecnologia, de acordo com o professor. A ferramenta costuma ser construída pela própria equipe de TI do órgão público, deslocando a função de parte dos servidores.

"Um robô de atendimento, por exemplo, tem tecnologia muito parecida para qualquer instituição, e poderia ser reutilizado. Mas, se cada órgão criar o próprio, teremos centenas de robôs diferentes que fazem a mesma coisa, quando poderíamos ter uma tecnologia unificada que atuasse para todos. Sem maturidade, isso não vai acontecer", afirma Tavares.

Christian Perrone, coordenador de direito e govtech do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio, diz que recursos tecnológicos insuficientes também travam o desenvolvimento da ferramenta em órgãos públicos.

"Há tecnologias de IA que exigem processadores complexos e com recursos específicos para serem desenvolvidos, algo que não tem sido fonte de pesquisa e investimentos no país."

Ele afirma que a Ebia (Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial), lançada em 2021, foi considerada limitada por não traçar metas específicas de orçamento, pesquisa e criação de tecnologias. Para Perrone, o documento priorizou mais o diagnóstico de riscos e menos planos para tornar o Brasil competitivo no setor.

O país ainda patina na utilização estratégica da inteligência artificial, segundo o Índice Global de IA do portal Tortoise Media, do Reino Unido, que avalia o uso da tecnologia em 62 países. O Brasil ocupa a 28ª posição no investimento em inteligência artificial como estratégia de governo, atrás de Colômbia, Egito e Vietnã.

O atraso pode aumentar riscos, segundo especialistas. Um exemplo são as avaliações mais apuradas dos algoritmos, que fazem parte do desenvolvimento da tecnologia quando são feitos testes e revisões dos códigos para eliminar possíveis vieses. No entanto, elas estão associadas a um nível de maturidade mais alto no uso da IA.

Christian Perrone, do ITS, afirma que, além de prever regras para reduzir prejuízos, a regulamentação da inteligência artificial também deve considerar fatores como inclusão para que a tecnologia não aprofunde as desigualdades.

"Precisamos regular a IA para criar incentivos e desenvolver internamente a tecnologia, pensando nos valores nacionais, que seja compatível com privacidade, inclusão e representatividade."

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