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Rodrigo Azevedo

Juízes devem usar inteligência artificial para fundamentar decisões? SIM

Realidade brasileira não nos permite abdicar dos ganhos de eficiência

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Rodrigo Azevedo

Sócio-coordenador da área de propriedade intelectual e direito digital de Silveiro Advogados, data protection officer pelo European Institute of Public Administration e LL.M. pela Universidade de Turim

O novo assusta, não sendo raros os exemplos em que a sociedade apresentou dura resistência à inovação tecnológica. Como nos ensina a ciência, lutar ou fugir parece ser mesmo a resposta límbica natural do ser humano frente àquilo que o assusta por ainda não ser completamente compreensível.

Na Revolução Industrial, essa reação, para alguns, incluiu a quebra deliberada das máquinas que ameaçavam os empregos. Agora, frente ao espanto global com o advento da chamada inteligência artificial generativa, capaz de interpretar e interagir em linguagem comum, não surpreendem as propostas de uma interrupção abrupta no seu desenvolvimento ou de se restringir a sua adoção em setores-chave da sociedade, como no sistema Judiciário —não à toa, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) discute o uso do ChatGPT na fundamentação de decisões judiciais.

Conselho Nacional de Justiça (CNJ) elabora parecer sobre o uso do ChatGPT por juízes na fundamentação de decisões - Stefani Reynolds/AFP - AFP

Contudo, mesmo frente aos avanços já obtidos com a consolidação —não sem resistência inicial, diga-se— do processo eletrônico e das audiências virtuais após a pandemia, a realidade judiciária brasileira não nos permite abdicar dos ganhos de eficiência produzidos pela adoção de ferramentas de inteligência artificial na distribuição da Justiça.

Dados do último relatório "Justiça em Números", do CNJ, apontam que atualmente tramitam no Brasil cerca de 77 milhões de processos, distribuídos entre pouco mais de 18 mil juízes. Boa parte desses casos se refere a ações judiciais repetitivas. Outros envolvem temas intrincados, que demandam esforço sobre-humano para análise de numerosos volumes de dados. Não há como não se solidarizar com o drama de quem aguarda pela apreciação do seu direito, nem como não ser empático com quem tem a hercúlea tarefa de julgar tantas ou tão complexas lides.

Na busca por maior eficiência, já operam no país aplicações dessa natureza que servem para a automação do exame de admissibilidade recursal, para minutar decisões ou, ainda, para agrupar processos por similaridades e acelerar os julgamentos. Segundo o CNJ, a inteligência artificial já está presente na maioria dos tribunais brasileiros, com ganhos crescentes de produtividade.

Por outro lado, é inegável que a inovação que traz eficiência também agrega novos riscos, que precisam ser adequadamente endereçados. Conjuntos de dados utilizados por ferramentas auxiliares de inteligência artificial podem conter vieses históricos, acabando por servir de base para decisões discriminatórias. Há ainda questões de proteção de dados pessoais, segurança da informação ou sobre como lidar com falhas técnicas (bugs) que produzem resultados equivocados.

Urge, então, a construção de um referencial regulatório que traga mais responsabilidade, estabilidade e segurança na adoção dessas ferramentas. Para tanto, mais do que o estabelecimento de parâmetros técnicos, o ponto crucial parece ser a eleição de princípios éticos inegociáveis para o uso dessas ferramentas pelo Judiciário, ponto de partida adotado pela União Europeia.

Estamos ainda distantes de renunciar a juízes seres humanos para substituí-los por algoritmos. A sensibilidade de um magistrado experiente, fruto não apenas do cruzamento de dados provenientes de casos prévios ou da interpretação da legislação, mas da sua própria cultura, vivência social e emoções, segue sendo essencial. Porém, a necessária preservação dessa condição —que, em alguns casos, seguirá se traduzindo em minuciosa dedicação individual e, talvez em muitos outros, numa supervisão dos encaminhamentos propostos pela máquina— em nada contrasta com a adoção de inteligência artificial nas decisões judiciais.

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