Descrição de chapéu Consumo Consciente

Consumo consciente ocupou a agenda pública, mas precisa de apoio estatal e privado

Consumidores mais atentos impulsionam empresas a focar na sustentabilidade, avaliam debatedores

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São Paulo

No final da década de 1990, a avaliação do engenheiro de produção e executivo Helio Mattar sobre o mercado empresarial brasileiro era de que as empresas não encontrariam sucesso econômico em sociedades que estivessem adoecidas, seja por violações ambientais ou pelo baixo desenvolvimento social. Passadas três décadas, ele revê o pensamento, que agora caracteriza como ingênuo.

Segundo o diretor-presidente do Instituto Akatu, organização não governamental que trabalha pela promoção do consumo consciente, é possível que empresas se sustentem em um ecossistema de desigualdades, mas somente quando seus acionistas são os únicos avaliadores dos critérios sociais e ambientais da marca.

Quando os consumidores entram na equação e passam a analisar esses fatores para apoiar ou não uma empresa, o cenário muda. E isso vem acontecendo no Brasil.

"A percepção das pessoas de que há interdependência entre a vida delas e o que ocorre no meio ambiente e na sociedade é mais intensa, e elas vão demandar cada vez mais das empresas", disse Mattar, durante o debate de abertura do seminário Consumo Consciente, realizado pela Folha nesta quarta-feira (9), com patrocínio da Tetra Pak.

O perfil mais atento e responsável do consumidor tem aparecido em estudos recentes. Segundo a pesquisa Vida Saudável e Sustentável, divulgada em abril e organizada pelo Akatu e pela GlobeScan, 41% dos mil respondentes brasileiros buscaram comprar e divulgar o trabalho de empresas socialmente responsáveis no último ano

O desejo de causar um impacto positivo na comunidade ou no mundo aparece entre os principais fatores que influenciam na lealdade a uma marca.

Na busca por um consumo aliado à sustentabilidade, a preocupação está no momento da compra, mas também no do descarte. Segundo a mesma pesquisa, a forma como se descartam os resíduos é o principal costume que os consumidores gostariam de mudar. A solução, apontaram os debatedores, passa por impulsionar a coleta seletiva.

O país conta hoje com grande contingente de catadores de recicláveis. O Movimento dos Catadores de Materiais Recicláveis calcula que existam entre 800 mil e 1 milhão de profissionais em atividade.

O volume de coleta seletiva pelo território, no entanto, é baixo. De acordo com números do último Anuário da Reciclagem, somente 22% dos municípios brasileiros possuem coleta seletiva pública, e apenas 15% têm ao menos uma cooperativa ou associação de catadores que conte com investimento estatal.

"Hoje os catadores fazem muito com pouca estrutura. São o elo mais frágil da cadeia, porque estão limitados a receber o material, triar e prensar, mas não fazem o beneficiamento [técnica de transformar resíduos em novas matérias-primas]", avaliou o deputado federal Carlos Gomes (PRB-RS), que preside a Frente Parlamentar em Defesa da Cadeia Produtiva da Reciclagem.

Concentração regional

Para mudar essa realidade, é preciso descentralizar a indústria de reciclagem e investir em capacitação dos catadores. Em 2018, 58% das cooperativas acompanhadas pela Associação Nacional dos Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis estavam concentradas nas regiões Sudeste e Sul.

Uma mudança de perfil regional, afirmou o deputado, pode vir com incentivo público. Gomes, que na infância foi catador de recicláveis para ajudar a família no pequeno município de Saúde (BA), é autor do projeto de lei (PL) que cria uma política de incentivo à reciclagem.

A matéria, aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara em 2019, aguarda apreciação do Senado.

Se aprovado, o PL 6545/2019 vai assegurar dedução no imposto de renda de indústrias e entidades que apoiarem projetos previamente escolhidos pelo Ministério do Meio Ambiente voltados à reutilização, ao tratamento e à reciclagem de resíduos sólidos. O projeto de lei também prevê a criação de fundos de investimento e apoio para a área.

Nesse sentido, Helio Mattar acrescentou que a reforma tributária poderia ajudar se oferecesse impostos menores e condições mais favoráveis de financiamento a produções baseadas na sustentabilidade.

"Dar incentivos para que um produto sustentável seja mais barato é positivo. Além da consciência, não há outro fator mais forte que a percepção de preço para guiar a compra do consumidor."

Educação e infraestrutura para a coleta seletiva também são benéficos não apenas para o consumidor, mas para as empresas, pontuou Valéria Michel, diretora de sustentabilidade da Tetra Pak.

Há mais de 60 anos no Brasil, a empresa é conhecida pelo investimento em embalagens sustentáveis e em reciclagem. "Cada nova embalagem tem que ter um impacto ambiental menor que a anterior", explicou Michel.

A marca trabalha para substituir integralmente o plástico de origem fóssil pelo renovável, como o produzido a partir da cana-de-açúcar. Nas embalagens atuais, 75% da composição é de papel-cartão.

Segundo a diretora, o que ganha espaço é a economia circular, com foco na reutilização de todos os resíduos ou sobras, sem desperdícios, o que aumenta a demanda da indústria recicladora.

Ainda que o caminho para o consumo consciente esteja bem pavimentado, os debatedores avaliaram que transparência, educação e comunicação são fundamentais para transformar conhecimento em atitude. A pandemia, que mudou hábitos de consumo, também pode ser catalisadora dessa tendência.

"O consumidor tem mais tempo para se adaptar a uma nova maneira de consumir. Está mais sensível e vulnerável. Percebe que cuidar de si é cuidar do outro, e passa a exigir esse mesmo cuidado das empresas", sintetizou Helio Mattar.

A mediação do debate foi feita pela jornalista Eliane Trindade, editora do Empreendedor Social da Folha.

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