Diversidade nas empresas abre a porta para a inovação

Companhias que adotam políticas inclusivas e equipes heterogêneas levam vantagem, apontam pesquisas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Claudia Rolli
São Paulo

A diversidade impacta o resultado das empresas ao estimular o desempenho de funcionários e as práticas de inovação.

A análise, feita por profissionais da área e empresários, é corroborada por pesquisas globais e regionais.

Na América Latina, empresas que investem em diversidade de gênero, raça e orientação sexual tendem a superar a performance financeira das não diversas, segundo pesquisa da consultoria McKinsey com 693 companhias e 3.900 funcionários no Brasil, na Argentina, no Chile, na Colômbia, no Peru e no Panamá.

Corporações com mais mulheres, por exemplo, têm 55% mais chance de obter resultados melhores, quando se compara a margem Ebit (lucro antes do pagamento de juros e impostos) com a média do setor em que atuam. Entre as menos diversas, o percentual é de 28,6%.

Nas empresas plurais, as pessoas se sentem estimuladas a contribuir com novas ideias e acabam promovendo inovação em serviços e produtos, explica Heloisa Callegaro, sócia da McKinsey em São Paulo.

“Organizações com maior diversidade atraem talentos diferentes, proporcionam ambientes mais felizes e conseguem reter funcionários, o que traz resultados melhores. Significa refletir dentro da empresa a diversidade do mercado consumidor”, diz Callegaro.

A relação entre diversidade e lucro não é de causa e efeito. A pesquisa considera indicadores de percepção de felicidade no trabalho, ambientes de maior confiança e diálogo e chefias que incentivam a inovação. A combinação desses fatores tem impacto nos ganhos.

“Se as empresas já dão mais atenção ao tema é porque sabem que a diversidade traz resultados”, diz Gianna Sagazio, diretora de inovação da CNI (Confederação Nacional da Indústria) e coordenadora da Mobilização Empresarial pela Inovação.

“A diversidade tem muito a contribuir para tornar o país mais inovador. Empresas e setor público têm que refletir em seus quadros a população, formada em sua maioria por mulheres negras”, avalia Sagazio.

A advogada Gabriela Augusto, fundadora da Transcendemos, que faz programas de inclusão para empresas, chama a atenção para a importância de ‘‘dar voz a todos em todos os níveis de hierarquia e departamentos, em especial na criação e no desenvolvimento de produtos e serviços”.

Para ilustrar a relação entre diversidade e inovação, ela cita o caso de uma saboneteira eletrônica instalada em um hotel nos EUA, que não funcionava em peles negras. “Será que havia pessoas negras na criação do produto e que ele foi testado em consumidores com diferentes tons de pele?”.

Em 2018, a tecnologia de reconhecimento facial também foi questionada por uma pesquisa do Media Lab do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). O trabalho mostrou que os algoritmos em diferentes dispositivos falhavam ao identificar mulheres de pele negra. Após a constatação, empresas de tecnologia melhoraram seus softwares.

No Brasil, uma esponja de aço foi retirada do mercado em junho de 2020, após pressão de consumidores. Seu nome foi ligado a um jeito pejorativo de nomear o cabelo de mulheres negras.

“A diversidade não pode ser vista como um fator só de obrigação social e moral. É um ativo. A empresa que não entende isso perde dinheiro”, diz o publicitário e empreendedor Paulo Rogerio Nunes, um dos criadores do centro de inovação Vale do Dendê, na Bahia, que investe em startups de impacto social e inclusão digital.

Nunes cita um estudo do Citi de 2020 mostrando que os EUA deixaram de incluir US$ 16 trilhões no PIB em duas décadas, em um cálculo que incluiu a falta de empréstimos para empresários negros, a disparidade salarial racial, o não acesso de estudantes a universidades e a desigualdade no crédito habitacional para os negros.

“Imagine o custo-racismo no Brasil, um país com 54% de pessoas que se autodeclaram afrodescendentes. Nos EUA, onde o estudo foi feito, são 13%”, diz.

Outro estudo global mostra que ao menos US$ 3,7 trilhões poderiam ter sido incorporados aos lucros das empresas em 2019 se fossem adotadas práticas inclusivas e diminuídas a lacunas entre a forma como líderes e funcionários enxergam o progresso da igualdade nas organizações, diz Beatriz Sairafi, diretora de RH da Accenture.

Dos US$ 3,7 trilhões, US$ 200 bilhões correspondem à região do Caribe e da América Latina. As estimativas constam em estudo da Accenture com 30 mil funcionários e líderes de empresas de 28 países.

“A inovação só acontece quando se combinam ações inclusivas na prática, chefias comprometidas e ambientes transparentes, que permitem aos funcionários ser autênticos”, diz Sairafi.

Outro recorte do estudo da Accenture mostra que mais da metade (55%) dos funcionários acredita que expressar a identidade de gênero ou orientação sexual no trabalho traz impacto negativo para suas carreiras.

Ligia Costa, fundadora da TGI Today, startup que faz treinamentos de inteligência emocional e prepara ‘’líderes humanizados’’, acredita que a diversidade só vai ocorrer com mudanças no topo das corporações. A equidade de gênero, diz, abre espaço para outras, como racial, etária, de orientação sexual.

“A forma de liderar na América Latina é autoritária, machista e focada em metas individuais”, diz Ligia, que por 19 anos foi executiva em multinacionais de tecnologia.

“Mulheres escutam, dão crédito a ideias e trabalhos de outras e entendem que é possível falhar. Só se cria algo novo em ambientes assim”, diz a CEO da TGI Today.

“Diversidade não é mais opção, é estratégia de negócios para empresas e líderes”, defende Marcelo Furtado, professor do curso de gestão de pessoas 4.0 na ESPM e fundador da Convenia, startup que cria soluções de RH para empresas.

Ouvir pessoas que pensam diferente, com repertórios, classes sociais, etnias, gêneros e origens distintas é o que vai ajudar a criar soluções inovadoras e resolver problemas sob diferentes prismas, explica Furtado.

Mary Ballesta, diretora global de inovação do Grupo Stefanini, diz que uma das habilidades que serão mais demandadas até 2025 é a capacidade de resolução de problemas complexos, segundo estudo do Fórum Econômico Mundial sobre o futuro do trabalho.

“Não se consegue resolver problemas complexos se não há diversidade. Ela tem que estar associada à inovação e criar valor, não só financeiro, mas para toda a cadeia produtiva da empresa, fornecedores e acionistas”, diz ela, que comanda um grupo de mulheres em inovação na América Latina

Erramos: o texto foi alterado

O percentual de pessoas que se autodeclaram afrodescendentes no Brasil é de 54%, não 76%. O texto foi corrigido.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.