Descrição de chapéu mercado de trabalho

Contratar negros é só o 1º passo para transformar cultura empresarial

Segundo consultora, é preciso criar espaço para que profissional não seja expulso por ambiente hostil

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São Paulo

Embora em alta, as iniciativas voltadas para a contratação de profissionais negros não asseguram um ambiente de trabalho promissor. “O acesso é só o primeiro passo”, diz Ana Bavon, fundadora da consultoria especializada em cultura inclusiva B4People.

Segundo ela, assim como se fazem urgentes mais processos seletivos, pensar o ambiente que irá receber colaboradores negros e negras deve ser prioridade para os profissionais de recursos humanos.

“É necessário tornar o espaço inclusivo e antirracista para que, uma vez lá dentro, esse profissional não seja expulso por um ambiente hostil.”

Levantamento realizado em agosto pela consultoria Indique Uma Preta com mil mulheres negras de todo o Brasil aponta que 51% das entrevistadas já escutaram piadas relacionadas a cor, cabelo ou aparência no ambiente profissional; 37% sentiram que suas opiniões, posicionamentos ou ideias foram silenciados enquanto pessoas brancas eram ouvidas e valorizadas.

Quatro em cada dez respondentes afirmaram que a inserção no mercado foi “difícil” ou “muito difícil”.

“Não é só contratar, mas construir espaços possíveis para que elas possam desempenhar o potencial de forma plena”, diz Veronica Dudiman, fundadora da Indique Uma Preta, que desde 2019 conecta mulheres negras ao mercado de trabalho.

No primeiro semestre deste ano, das 42 mil vagas de liderança abertas no Brasil, só 10,5% foram ocupadas por mulheres negras. Homens negros ficaram com 13,2% das posições e, entre os brancos, homens representaram 32,9% do total e mulheres, 26,7%.

O levantamento foi feito a pedido da Folha pela plataforma Quero Bolsa (querobolsa.com.br) com as bases do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) e da Rais (Relação Anual de Informações Sociais).

Em outubro, o debate racial se impôs à pauta do banco Nubank após um comentário da fundadora Cristina Junqueira durante entrevista ao programa Roda Viva. Na ocasião, a executiva disse que a empresa não poderia se “nivelar por baixo” para buscar maior diversidade.

Em seguida, o banco reconheceu o erro e anunciou investimento de R$ 20 milhões em programa de inclusão racial, com medidas que abrangem revisão das práticas de RH, treinamento e mentoria.

“Inclusão é ter pessoas negras em cargos de poder e de tomada de decisão, com a possibilidade de desenvolver produtos e caminhos”, afirma Ana Bavon, B4People.

Para Arlane Gonçalves, especialista em diversidade e cultura inclusiva e uma das “top voices” do Linkedin em 2020, o mesmo esforço direcionado para o recrutamento de profissionais negros deve ser despendido para que eles se sintam incluídos e cresçam na carreira. “O que entendemos como normalidade dentro da empresa precisa ser revisto.”

Segundo Gonçalves, estagnação profissional, falta de promoções e de investimentos no desenvolvimento de profissionais negros também caracterizam racismo.

“Tirar os colaboradores negros do espaço operacional em que a sociedade está acostumada a vê-los e colocá-los no lugar das tomadas de decisão trouxe um incômodo”, afirma Dudiman, da Indique Uma Preta.

Ela se refere ao alvoroço gerado pelo lançamento do trainee exclusivo para negros de grandes empresas como MagaLu e Bayer, em setembro. À época, houve tanto manifestações de apoio quanto contestações a um suposto caráter de discriminação reversa —contra brancos.

“Por que não vemos o mesmo incômodo quando a televisão mostra a fila do mutirão do emprego e a maioria das pessoas ali é negra?”, questiona Dudiman.

Para a empresária Nohoa Arcanjo, 34, ter tido uma chefe negra foi fundamental para que ela adquirisse segurança na carreira. Antes de fundar a Creators.llc, startup que liga profissionais criativos a contratantes, Arcanjo trabalhou por cinco anos na multinacional Pandora Joias —a presidente à época era Rachel Maia, uma referência no mercado.

“Quando se fala em mulher negra fazendo negócios, a tendência é a gente se achar inferior. Por quê? Porque fazem com que a gente se sinta assim”, diz a empresária.

Para ter histórias como a de Nohoa e reter os talentos negros, a empresa precisa pensar em todas as etapas de recepção do novo funcionário. Segundo a consultora Ana Bavon, estão entre elas relacionamentos interpessoais, compliance e compreensão de como funciona o sistema de promoções e feedbacks.

O primeiro passo, diz a especialista, é fazer uma pesquisa sobre segurança psicológica, ou seja, entender se a empresa tem um ambiente no qual as pessoas se sentem abertas a oferecer opiniões, pontos de vista e contribuir com o debate estratégico da organização, sem medo de discriminação.

“O funcionário negro pode até encontrar um ambiente majoritariamente branco, mas precisa ser um espaço respeitoso, que consiga valorizar a narrativa de vida desse profissional”, afirma.

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