Mercado publicitário corre atrás de tipos diversos de modelos

Demanda por profissionais acima dos 50 já é maior que a oferta, diz dona de agência; cachês chegam a R$ 9.000

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São Paulo

Basta ligar a TV para constatar que há algo diferente no mundo publicitário. Com mais diversidade vista nos elencos, quem nunca havia se enxergado como modelo agora pode ter boas oportunidades no ramo.

Segundo Raquel Fialho, 49, fundadora da agência paulistana Real People, que tem como meta suprir o mercado de anúncios desses novos perfis, é crescente a demanda por pessoas de cabelos brancos e com todos os tipos de corpo.

Entre os cerca de 2.000 profissionais do catálogo da Real People está a professora aposentada Maria Cristina Pimenta, 76, que abraçou a carreira há uma década.

Descoberta em uma academia de ginástica por colegas estudantes de fotografia, ela exibe os cabelos platinados em campanhas de bancos e marcas de beleza.

“Trabalho como uma mocinha de 15 anos. As pessoas respeitam minha idade, mas ninguém interrompe a gravação ou a sessão de fotos porque estou cansada”, orgulha-se.

Também foi na aposentadoria que o ex-executivo Mario Macia, 60, lançou-se como modelo. Com três anos de atividade, ele já fez até comerciais internacionais.

Até o início de 2020, os testes, sessões de fotos e gravações ocupavam de dois a três dias de sua semana. O ritmo arrefeceu durante a pandemia, mas não estacionou.

“Fiz dois ensaios pelo Facetime e gravei, da minha casa, um comercial para uma operadora de telefonia. Eles mandaram o cenário e o figurino, minha mulher e minha filha deram suporte na hora de gravar e deu tudo certo.”

Segundo Angelica Gross, 33, fundadora da agência Contraste MGT, a demanda por modelos com mais de 50 anos é maior do que a oferta.

Para se apresentar à agência, ela avisa, não é preciso investir em caros ensaios fotográficos. “Muitos iniciantes nos mandam fotos de celular para a primeira avaliação. Com base nelas e em uma conversa online, já é possível dizer se há mercado para o candidato. O que conta não é a beleza nem as medidas, mas a personalidade. Tem que falar bem e ser bom na comunicação corporal”, diz Gross.

“Busca-se cada vez mais gente com cabelos coloridos ou com dreadlocks, tatuagem, sardas, pele com vitiligo, cicatrizes visíveis... Pessoas negras, então, estão em todas as campanhas”, afirma a produtora de casting Carolina Gatti, 40, cuja função é encontrar modelos que se encaixam no perfil desejado pelas agências de publicidade.

Na infância, Bianca di Azuos, 22, lembra que não se sentia representada nos comerciais, pois pessoas negras raramente apareciam. “Alisei o cabelo dos 7 aos 16 anos.”

Desde que se tornou modelo, as madeixas ao natural e o corpo com curvas (considerado plus size pelo mercado) são sua marca registrada —nos últimos meses, Bianca gravou comerciais para marcas de itens esportivos, cosméticos e tênis.

A diversidade de gênero também entrou na pauta das agências. Fundada por Andi Pereira, 34, a Profana agencia sobretudo modelos trans. “Marcas convencionais já seguem nosso perfil e começam a conversar. Ainda é difícil pôr modelos trans em campanhas, mas já acontece”, diz Pereira.

Uma das mais recentes contratadas da Profana, Barbara Britto, 24, acaba de gravar um comercial para um grande banco. “A seleção foi online e, no dia da gravação, descobri que só havia mulheres.”

Para seu agente, a experiência comprova que o mercado começa finalmente a mudar.
“A presença da Barbara em um elenco só de mulheres mostra que ela não estava ali para preencher uma cota ou por ser um corpo estranho.”

Os cachês são atraentes mesmo para iniciantes. Segundo Raquel Fialho, uma diária de trabalho rende de R$ 600, no caso de uma campanha exclusiva para redes sociais, com prazo curto de exposição, a R$ 9.000, valor pago pela participação em campanhas de grandes marcas.

O percentual descontado pelas agências pode variar, mas a maioria cobra 20%.

As diárias são puxadas —geralmente começam às 6h30, com desjejum no set, e se encerram no fim de tarde ou início da noite. Mas ninguém trabalha todos os dias da semana.

Para participar dos castings, como são chamados os processos de seleção de modelos, os profissionais costumam ter até três dias da agenda bloqueados —e não recebem nada por isso.

Há também ganhos indiretos. Com quase 3.000 seguidores no Instagram, Mario Macia tem contratos de permuta com barbeiro, academia de ginástica e restaurantes. “Uso esses serviços em troca de posts. A soma dá tranquilamente uns R$ 1.000 por mês.”

Na opinião do produtor de elenco Bruno Felsmann, 43, há oportunidades para muito mais gente disposta a se lançar como modelo.
Uma de suas tarefas atuais, ele conta, é contratar modelos craques no passinho, dança surgida nos morros cariocas.

“Não basta encontrar um bom dançarino. É preciso que o modelo venha mesmo de uma comunidade e traga um gestual autêntico. Só que as agências ainda não têm esse perfil de profissional”, conta.
Para Felsmann, a transformação está apenas começando. “Ainda falo com publicitários que buscam a diversidade, mas na prática me pedem ‘negros com traços finos’ e nunca aprovam modelos plus size. Mas é um caminho sem volta.”

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