Descrição de chapéu The New York Times

Empresas repensam o papel do escritório e a necessidade do trabalho presencial

Pesquisadores questionam ideia de que encontros ocasionais no meio do expediente estimularia a inovação e a criatividade

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Claire Cain Miller
The New York Times

Quando o Yahoo proibiu seus empregados de trabalharem de casa, em 2013, foi por um motivo citado frequentemente pelas grandes empresas dos Estados Unidos: estar no escritório era visto como essencial para colaboração espontânea e inovação.

“É crítico que estejamos todos presentes em nossos escritórios”, escreveu Jacqueline Reese, então executiva do Yahoo, em um memorando ao pessoal da companhia. “Algumas das melhores decisões e insights que temos surgem de conversas nos corredores e no refeitório, de encontros com novas pessoas e de reuniões espontâneas das equipes."

Hoje, Reese é presidente executiva da Post House Capital, uma companhia de investimento, e tem posição diferente. “Se eu escreveria aquele memorando de um jeito diferente, agora?”, diz. “Sim”. Ela continua a acreditar que a colaboração pode se beneficiar da proximidade física, mas, ao longo dos últimos 12 meses, as pessoas descobriram formas novas e melhores de colaborar.

À medida que a pandemia recua nos Estados Unidos, porém, muitos patrões estão expressando ideias semelhantes às que Reese tinha em 2013.

Escritório com mesas coladas e cadeiras vazias, com janelas grandes com vista para prédios
Sala de reuniões do escritório de advocacia Machado Meyer, na Faria Lima, vazia –funcionários estão trabalhando no esquema home office por conta da pandemia. 6.jun. 2020 - Eduardo Knapp/Folhapress

“A inovação nem sempre é uma atividade planejada”, disse Tim Cook, presidente-executivo da Apple, sobre o trabalho pós pandemia. “Às vezes envolve encontrar alguém por acaso durante o dia e levar adiante uma ideia que acaba de surgir”, afirma.

Jamie Dimon, presidente executivo do banco JPMorgan Chase, diz que trabalhar de casa “não funciona em termos de geração espontânea de ideias, não funciona em termos de cultura”.

Mas pesquisadores que estudam essa questão dizem que não existem provas de que trabalhar com os colegas em um mesmo local seja essencial para a criatividade e colaboração. E pode até prejudicar a inovação, dizem, porque a demanda por realizar o trabalho em um lugar e um horário predefinidos é um dos grandes motivos que fazem dos escritórios pouco hospitaleiros para muita gente.

“Isso levou a muitos dos resultados que nos acostumamos a ver em ambientes de escritório modernos –jornadas longas, esgotamento, falta de representação–, porque a cultura do escritório é estabelecida para vantagem de poucos e não da maioria”, disse Dan Spaulding, vice-presidente de pessoal do grupo imobiliário Zillow.

“A ideia de que só se pode colaborar criativamente face a face é um viés”, ele disse. “E eu questionaria sobre a criatividade e inovação que foram expulsas dos escritórios porque certas pessoas não eram parte das panelinhas certas, não eram ouvidas, não iam aos mesmos lugares que as pessoas que ocupam posições de poder frequentam."

Ele e outros sugerem que é necessário remodelar o escritório e transformá-lo em um lugar ao qual as pessoas vão de vez em quando, para se reunir ou conviver socialmente, enquanto o trabalho do dia a dia é feito de forma remota.

Na Zillow, quase todos os empregados serão remotos ou irão ao escritório apenas de vez em quando, agora. Diversas vezes por ano, equipes irão a pequenos escritórios montados especialmente para que elas se reúnam.

“Há credibilidade por trás do argumento de que, se você colocar as pessoas em espaços nos quais haja oportunidade para que se encontrem ao acaso, é provável que conversem”, disse Ethan Bernstein, professor da Escola de Administração de Empresas da Universidade Harvard, que pesquisa sobre o assunto.

“Mas será que essa conversação será útil em termos de inovação, criatividade, ou útil de qualquer maneira? Não existe praticamente dado algum sobre isso."

“E isso tudo me sugere que ideia de que as coincidências e encontros aleatórios sejam produtivos é mais conto de fadas do que a realidade”, acrescentou.

O conceito de que interações espontâneas no escritório possam promover o pensamento criativo foi a força propulsora por trás de um dos primeiros edifícios de escritórios de plano aberto, a sede da Johnson Wax, em Racine, Wisconsin, projetada pelo arquiteto Frank Lloyd Wright na década de 1930.

Quando a década de 1990 chegou, as companhias do Vale do Silício começaram a oferecer bufês de doces e salgados e serviços de cabeleireiro e barbeiro no escritório, para promover encontros aleatórios. As empresas passaram a pagar mais aos empregados que ficassem no escritório por mais do que as 40 horas da jornada semanal de trabalho padrão.

Mas Bernstein defende que os escritórios contemporâneos produzem 70% menos interações pessoais. As pessoas não viam utilidade em ter tantas conversas espontâneas e por isso passaram a usar fones de ouvido e a evitar contato com os colegas.

Ao mesmo tempo, a tecnologia –serviços como o Zoom, Slack e Google Docs– tornou a geração de ideias online igualmente efetiva, de acordo com pesquisadores.

Judith Olson, professora de ciência da computação na Universidade da Califórnia em Irvine, estudou o efeito da distância sobre as equipes de trabalho durante três décadas. A distância agora importa muito menos, ela disse: “Por causa da tecnologia atual, na verdade estamos nos aproximando cada vez mais de reproduzir o escritório [remotamente]”.

O trabalho criativo pode ser realizado, por exemplo, ao deixar o chat em vídeo ligado enquanto as pessoas trabalham remotamente, o que permite que elas troquem ideias sobre o que estão pensando ou que discutam enquanto trabalham simultaneamente em um documento no Google Docs.

Além disso, ficou mais fácil anotar ideias e observações sobre conversas, para que possam servir de referência a outros, e receber comentários.

O trabalho em escritório é essencial para algumas funções de inovação, como aquelas que envolvam objetos físicos, e beneficia algumas pessoas, como os recém-contratados que estão à procura de mentores.

Mas alguns profissionais criativos, como arquitetos e designers, se surpreenderam com a efetividade do trabalho remoto durante a pandemia, enquanto cientistas e pesquisadores acadêmicos estão acostumados há muito tempo a trabalhar em projetos de pesquisa com colegas distantes.

Exigir que as pessoas vão ao escritório pode dificultar a inovação, dizem alguns pesquisadores e executivos, porque para muitas pessoas estar presente em um escritório nunca foi o ideal.

Isso inclui muitas mulheres, minorias raciais e pessoas que têm responsabilidades de cuidado com parentes ou portadoras de deficiências. O mesmo vale para as pessoas tímidas, aqueles que vivem longe de um escritório e os profissionais que são mais produtivos em horários excêntricos.

As mulheres, por exemplo, começam a ser penalizadas em termos de remuneração e promoções assim que se tornam mães, e a disparidade de remuneração entre os gêneros é maior nos trabalhos em que existe menos flexibilidade sobre onde e quando uma pessoa executa suas funções, constatou a economista Claudia Goldin.

Também é mais provável que mulheres sejam interrompidas ou que não recebam crédito pelas ideias que apresentam nas reuniões físicas e elas ainda podem ser penalizadas por serem assertivas.

Os trabalhadores de escritório não brancos enfrentam discriminação. Em um levantamento do Future Forum, uma organização de pesquisa da Slack, uma proporção maior de trabalhadores de escritório negros preferia o trabalho remoto, se comparados aos brancos, porque isso reduzia a necessidade de “mudança de código” (alterar comportamento de acordo com o contexto) e reforçava seu sentimento de inclusão no trabalho.

O trabalho remoto também pode permitir que ideias venham de pessoas de diferentes origens. Online, profissionais que não se sentem confortáveis falando em reuniões físicas podem se sentir mais encorajados a se pronunciar.

Sessões de “brainstorm” realizadas por meio de aplicadores como o Slack podem trazer à tona mais perspectivas ao incluir pessoas que não teriam normalmente sido convidadas para uma reunião, como estagiários ou pessoal de outros departamentos.

“Quando todo mundo ocupa uma caixinha do mesmo tamanho na tela, todos têm um assento igual à mesa”, disse Barbara Messing, cuja função é administrar as experiências dos empregados na Roblox, uma companhia de videogames online, que continua a trabalhar remotamente duas vezes por semana e permite que seu pessoal trabalhe de onde quiser dois meses por ano.

As empresas que optam pelo trabalho remoto também dispõem de um cardápio mais diverso de pessoal para contratar –trabalhadores que não poderiam realizar jornadas longas no escritório ou que vivem em outro lugar.

“Se você só recruta pessoas que morem a um máximo de 30 quilômetros do escritório, não vai obter diversidade”, disse John Sullivan, um consultor de recursos humanos.

Há riscos em permitir que certos trabalhos sejam realizados remotamente. Se algumas pessoas trabalham no escritório e outras não, quem fica de fora pode ser penalizado. Outra questão é que desenvolver ideias e colaborar em projetos requer confiança, e isso se baseia em relacionamentos pessoais.

É por isso que alguns especialistas estão sugerindo um novo conceito para o escritório: não uma sede para onde as pessoas vão todos os dias ou semanalmente, mas um lugar para onde elas vão ocasionalmente para encontros em grupo.

Companhias como a Ford, Salesforce e Zillow adotaram versões dessa ideia e estão reconfigurando seus escritórios para criar mais espaços de convivência e menos fileiras de mesas de trabalho.

“Um de nossos grandes medos é que, se errarmos, criaremos uma realidade em que existirão dois escalões de empregados –aqueles que estão na sala e aqueles que não estão, aqueles que estão envolvidos na política de escritório e aqueles que não”, disse Spaulding, da Zillow. “Acreditamos que as pessoas desejam se conectar e colaborar. Mas precisam fazê-lo cinco dias por semana ou basta uma vez a cada três meses?”

Tradução de Paulo Migliacci

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