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A corrida de Zuckerberg pelo metaverso faz uma pausa

Meta ainda não demonstrou que sua aposta de US$ 10 bi por ano será um sucesso

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Hannah Murphy Patrick McGee Cristina Criddle
San Francisco e Londres | Financial Times

No início de setembro, Mark Zuckerberg correu para um laboratório da Meta em Pittsburgh, na Pensilvânia, sentou-se diante de mais de cem câmeras de alta resolução e preparou-se para provar que seus críticos do metaverso estavam errados.

A sessão de fotos foi projetada para gerar um avatar mais realista do executivo-chefe da Meta, enquanto o gigante das redes sociais se esforçava para demonstrar que sua aposta de US$ 10 bilhões (R$ 51,9 bilhões) por ano em um mundo digital 3D futurista conhecido como metaverso não foi um fracasso.

Nas semanas anteriores, o fundador do Facebook havia enfrentado a zombaria do público depois que um avatar dele semelhante a um desenho animado viralizou por todos os motivos errados.

Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, fala com uma avatar de si mesmo durante transmissão ao vivo do Metaverso - Facebook via Reuters

Essa imagem rudimentar foi amplamente ridicularizada como "tímida" e "sem alma", acumulando pressão sobre Zuckerberg para provar que ele não errou ao apostar o futuro de sua empresa numa visão do metaverso que já havia acumulado mais de US$ 27 bilhões (R$ 140,2 bilhões) em perdas operacionais nos últimos três anos.

Mas o episódio da selfie é apenas um obstáculo para Zuckerberg, que acredita que o metaverso é a próxima evolução natural no convívio social online e deve revelar o novo avatar na próxima semana.

De acordo com memorandos e conversas com dez funcionários atuais e ex-funcionários, seu império de redes sociais de 3 bilhões de usuários está passando por interrupções e desafios como parte da virada para a Meta, e já foi forçado a adiar lançamentos futuros e ajustar as expectativas.

Em um memorando de setembro visto pelo Financial Times, Vishal Shah, vice-presidente do braço metaverso da Meta, alertou que usuários e criadores reclamaram que Horizon Worlds –sua experiência de realidade virtual social e a coisa mais próxima de um metaverso até agora– era de baixa qualidade e cheio de defeitos.

Ele ordenou um "bloqueio de qualidade" pelo resto do ano, dizendo aos funcionários que precisam melhorar os fundamentos antes de qualquer expansão agressiva. Os funcionários que trabalham no produto tiveram que "repriorizar ou retardar algumas coisas que planejamos", disse Shah, acrescentando que estava reduzindo sua meta de número de usuários para o segundo semestre do ano.

Alguns funcionários alertaram que o moral estava sendo prejudicado conforme as equipes foram reestruturadas para acomodar a nova visão de Zuckerberg, à qual muitos ainda não aderiram. "Há muitas pessoas internamente que nunca colocaram um headset [de realidade virtual]", disse um funcionário do metaverso.

A Meta disse em comunicado que a empresa está "confiante que o metaverso é o futuro da computação e que deve ser construído em torno das pessoas". Ela acrescentou: "É claro que estamos sempre fazendo melhorias de qualidade e agindo de acordo com o feedback de nossa comunidade de criadores. Esta é uma jornada de vários anos, e continuaremos melhorando o que construímos".

No metaverso

Já faz quase um ano que Zuckerberg anunciou sua mudança para a Meta. Seu plano era atrair 1 bilhão de usuários e "centenas de bilhões de dólares em comércio digital por dia", um movimento que levaria entre cinco e dez anos, segundo ele.

Zuckerberg declarou que a partir de agora "nós seremos primeiro o metaverso, não o Facebook primeiro", relegando a rede social que ele fundou em 2004 –e gera a parte vastamente maior de sua receita anual de US$ 118 bilhões (R$ 612,8 bilhões)– a uma posição secundária. Reality Labs, a divisão dedicada ao metaverso, veria uma duplicação de sua força de trabalho para 20 mil engenheiros.

Atualmente, a Meta tem mais de 83 mil funcionários, depois de se expandir rapidamente durante a pandemia e atrair talentos de engenharia de realidade aumentada e virtual das rivais Microsoft e Apple, enquanto procura reforçar sua equipe do metaverso.

O impulso para a nova aposta ocorre quando a avaliação de mercado do grupo despencou de US$ 1 trilhão (R$ 5,1 trilhões) para menos de US$ 400 bilhões (R$ 2 trilhões) nos últimos 14 meses. A empresa enfrenta vários ventos contrários: uma queda na receita de publicidade digital, desaceleração do crescimento de usuários em sua plataforma Facebook e aumento da concorrência do rival chinês TikTok.

Zuckerberg anunciou no início do mês um congelamento de contratações na maioria das equipes, um corte drástico da força de trabalho, equivalente a cerca de 13% do quadro, e um aperto de cinto em 2023, devido ao difícil cenário macroeconômico. Os funcionários também foram instruídos por Zuckerberg a trabalhar com "maior intensidade" e "senso de urgência", de acordo com um memorando de julho.

Analistas e funcionários disseram que os próximos anos determinarão se a mudança do metaverso será a resposta para esses problemas –novas linhas de receita para captar a próxima geração de usuários da internet ou uma distração gigante sugando recursos e limitando a capacidade da empresa de reanimar seu produto tradicional e reconstruir sua infraestrutura de publicidade.

"O desafio é que eles estão tão focados no metaverso que não estão investindo no produto principal, que são o Facebook e o Instagram. Tudo isso é um show à parte da questão real, que é que a Meta continua sendo superada pela TikTok", disse Rich Greenfield, analista da LightShed Partners.

Ele acrescentou que o nível de investimento da Meta no metaverso é "preocupante" para os investidores. "O metaverso como a Meta prevê não é investível hoje. Ninguém está comprando Meta pelo metaverso."

Grandes investimentos

Desde o início de 2019, mais de US$ 27 bilhões (R$ 140,2 bilhões) foram relatados em perdas operacionais para a Reality Labs, divisão de metaverso e realidade virtual da Meta.

De acordo com pessoas familiarizadas com a situação, os investimentos foram focados amplamente no desenvolvimento de hardware, como headsets [equipamentos de cabeça com óculos e fones] de realidade virtual e aumentada, que podem ser usados para fazer login no metaverso, juntamente com software para seu mundo 3D e a infraestrutura subjacente necessária para suportar o sistema.

Além dos avatares que representarão os usuários no metaverso, a empresa vem trabalhando em atividades além da simples comunicação social para lhes dar algo para fazer, como malhar em programas virtuais de fitness, jogos e locais para estudar.

Em seus últimos resultados, em julho, a empresa disse que tinha US$ 24 bilhões em compromissos contratuais não canceláveis "principalmente relacionados aos nossos investimentos em servidores, infraestrutura de rede e produtos de hardware de consumo na Reality Labs".

Enquanto isso, as receitas da divisão, provenientes em grande parte das vendas de headsets de RV (realidade virtual), permanecem escassas, em parte devido ao fato de toda a indústria de RV ter se desenvolvido mais lentamente do que o previsto. No segundo trimestre, a Reality Labs respondeu por US$ 452 milhões dos US$ 28 bilhões em receitas totais, e a empresa alertou que espera que a receita da Reality Labs no próximo trimestre seja ainda menor.

"É uma grande aposta", disse um executivo de publicidade. "Se você errar a linha do tempo [cedo demais] em dez anos, a empresa está realmente em perigo, devido ao uso intensivo de capital."

A recente reestruturação e o abandono de vários projetos para priorizar o metaverso derrubou a moral, de acordo com vários funcionários atuais e antigos, com alguns relatando uma divisão prejudicial entre a equipe focada no metaverso e aqueles na parte tradicional do negócio.

Devon Copley, executivo-chefe da Avatour, empresa de reuniões virtuais, disse que a Meta está "liderando a indústria" quando se trata de desenvolver o hardware.

No entanto, ele alertou que a empresa foi mais desafiada no desenvolvimento de software para o metaverso.

"O problema é a natureza fragmentada das diferentes equipes e iniciativas de produtos de software dentro da organização Meta", disse ele, citando as constantes reorganizações, "mudanças frequentes de direção" e a falta de uma "visão coesa" de uma rede social que incorpore realidade virtual e aumentada.

A empresa já está tendo dificuldade para impressionar os criadores que desenvolvem experiências sociais no metaverso. De acordo com um memorando da Meta compartilhado por uma pessoa em seu perfil no Facebook, os criadores reclamaram em uma mesa redonda no mês passado que o Horizon Worlds é "instável e inconfiável" e que a equipe da Meta não os atualiza quando relatam bugs, ou antes de lançamentos.

Os funcionários "não se comunicam bem, ou talvez haja falta de pessoal, e as coisas estão caindo pelas brechas", disse um funcionário do metaverso.

No memorando de Shah, que foi relatado pela primeira vez pelo site The Verge, o executivo da Meta disse que a equipe do Horizon Worlds havia intencionalmente passado a "entregar mais rápido", mas que isso levou os funcionários a "trocar a qualidade pela velocidade".

Os bugs e problemas de estabilidade eram tão graves, observou Shah, que os próprios funcionários da Meta não estavam usando o produto.

Ele acrescentou: "A simples verdade é que, se não o amamos, como podemos esperar que nossos usuários o amem?"

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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