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Lições de uma década de 'Candy Crush'

Por que um jogo de quebra-cabeça com enorme alcance não é tão comentado culturalmente?

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Tim Bradshaw
Financial Times

Três dos dez jogos para celular de maior vendagem já lançados em 2012 –Candy Crush Saga, Clash of Clans e Puzzle & Dragons– geraram bilhões de dólares em receitas, antes de contar títulos derivados ou acordos de licenciamento. Eles surgiram quando os tamanhos de tela dos smartphones estavam ficando maiores, dando aos desenvolvedores mais espaço para brincar. Os fabricantes estavam começando a dominar o modelo de negócios de jogos gratuitos que cobram por vidas extras, power-ups (potencializadores) ou roupas personalizadas.

Hoje, o celular deixou de ser um espetáculo colateral no mercado de jogos para se tornar sua maior fonte de receita. Transformar jogos em "serviços ao vivo", com um fluxo constante de novos níveis ou eventos de tempo limitado, pode sustentar um jogo popular por tanto tempo quanto um título de console, se não mais. Candy Crush Saga foi o sucesso global mais duradouro dessa geração de 2012. Teve 3 bilhões de downloads e ainda atrai mais de 200 milhões de jogadores por mês.

Barreiras para criar um novo sucesso na escala Candy Crush são muito maiores hoje do que há dez anos - Carlo Allegri - 18.fev.2014/Reuters

No entanto, o sucesso financeiro não foi acompanhado por um impacto cultural. Estima-se que os ganhos vitalícios do jogo sejam semelhantes aos das franquias Star Trek ou Superman, mas ele possui apenas uma fração do prestígio desses baluartes da cultura pop. As tentativas de passar para outras formas de entretenimento tiveram dificuldades: em 2017, a CBS tentou transformar Candy Crush em um programa de jogo na TV nos Estados Unidos, mas não durou mais que a primeira temporada.

Os críticos dizem que isso acontece porque Candy Crush é um jogo de quebra-cabeça, na melhor das hipóteses repetitivo, na pior, projetado para viciar, com efeitos sonoros de cassino e recompensas que ativam a dopamina. E talvez eles tenham razão. Mas mesmo dentro da indústria de jogos o esnobismo sobre os celulares parece ultrapassado. Candy Crush pode não ter a narrativa ágil de The Legend of Zelda ou a inteligência de GTA, mas é preciso habilidade para construir um software seja tão sólido e satisfatório quanto superar um nível de Candy Crush.

Parte do problema talvez seja a falta de um protagonista central ou mascote no estilo Mario, que daria personalidade extra ao jogo. É algo que não passou despercebido pelos pretendentes ao trono de Candy Crush. Os desenvolvedores de um aplicativo de quebra-cabeça em rápido crescimento, Royal Match, criaram uma figura jovial de barba grisalha chamada King Robert para liderar seus jogadores. Soner Aydemir, executivo-chefe da empresa por trás do Royal Match, o descreve como "um companheiro" para os jogadores.

Um desafio maior na batalha dos jogos para celular por reconhecimento cultural pode ser o próprio formato. Assistimos a filmes em grupos para compartilhar o espetáculo. Jogar num smartphone significa possuir a tela mais pessoal e íntima de nossas vidas. E quando você percebe que perdeu uma hora com o Candy Crush no sofá, não costuma correr para o bar para conversar com os amigos ou desabafar no Twitter e no Reddit sobre isso.

Aos dez anos, Candy Crush dá poucos sinais de desaparecimento. O jogo manteve seu lugar entre os jogos para celular de maior receita nos Estados Unidos por vários anos consecutivos. De fato, nos negócios, se não em termos culturais, é um número difícil de acompanhar. As barreiras para criar um novo sucesso na escala Candy Crush são muito maiores hoje do que há dez anos, exigindo grandes investimentos em promoção para serem notados na superlotada App Store. Além disso, o modelo de publicidade que permitiu que jogos para celular sem brilho chegassem ao topo das paradas da App Store foi prejudicado pelas restrições da Apple à segmentação de anúncios. Mas se isso forçar os desenvolvedores a se dedicarem mais à qualidade nos próximos anos, talvez os jogos para celular um dia recebam o crédito cultural que merecem.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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