Descrição de chapéu Inteligência artificial

Política que norteia inovação com IA no Brasil não tem orçamento

Governo abre editais para nova tecnologia, mas Ministério da Ciência, Inovação e Tecnologia tem 17ª menor dotação orçamentária

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São Paulo

Enquanto empresas trilionárias disputam a liderança do mercado de IA (inteligência artificial), o Brasil não editou nada além da Ebia (Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial).

A Ebia define desde 2021 diretrizes eleitas a partir de consultas públicas para o desenvolvimento dessa tecnologia no país. Três eixos transversais versam sobre questões éticas, de governança e geopolítica, enquanto outros seis verticais tratam de pesquisa, inovação e preparação da força de trabalho.

O governo, entretanto, não dedica orçamento próprio para fomentar o desenvolvimento de IA no Brasil, diferentemente de EUA, China e Coreia do Sul.

Para o professor da USP Glauco Arbix, que coordena o Observatório da Inovação, a Ebia falha até em definir metas ou setores focais de atuação. "É inócua, define as diretrizes, mas não cita números ou objetivos."

O professor Fabio Cozman, coordenador do C4AI (Center for Artificial Intelligence) sediado na USP, que realiza pesquisas sobre processamento de linguagem natural. Professor está sentado em mesa com monitor de computador, com lousa branca ao fundo com esquema de funcionamento de rede neural
O professor Fabio Cozman, coordenador do C4AI (Center for Artificial Intelligence) sediado na USP, que realiza pesquisas sobre processamento de linguagem natural - Rubens Cavallari/Folhapress

Segundo a estratégia, a inovação em inteligência artificial deve receber fomento via emendas parlamentares, abertura de chamadas públicas em editais de Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial).

Outra via são os fomentos da Lei de TICs, que envolvem R$ 500 milhões neste ano para diversas áreas de informação e comunicação.

Desde que assumiu o MCTI (Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação), Luciana Santos não indicou que alteraria a Ebia. Pesquisadores e empresários de tecnologia consultados pela reportagem afirmam que a política pública foi formulada por funcionários de carreira do ministério, à época comandado pelo atual senador Marcos Pontes (PL).

Hoje, a liderança da Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação está vaga.

À Folha, o secretário substituto de Ciência e Tecnologia para Transformação Digital, Henrique de Oliveira Miguel, afirma que há planos para estimular as discussões sobre o tema, em face da emergência das novas inteligências artificias. "É urgente pelas oportunidades econômicas e pelo risco."

Ele afirma que a vacância de cadeiras tem a ver com as dificuldades políticas do governo para indicar e nomear cargos ante pressões do Congresso. Nesse contexto, funcionários de carreira exercem o dia a dia da pasta, sob orientação direta da ministra.

Miguel diz, contudo, que o tema foi prestigiado com a criação da secretaria que comanda. Antes, era parte da Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação.

Ele afirma também que o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação tem um papel articulador junto a outras pastas, o que justificaria o baixo orçamento da área.

A assessora técnica do CGEE (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos) Caroline Pereira, que participa de outros conselhos consultivos do MCTI, diz que a Ebia envolve o tema de discussão que desperta mais interesse entre os representantes da sociedade civil. "Todos são muito engajados, desenvolvem pesquisa, mas quem chama os encontros é o governo."

De acordo com Marina Atoji, diretora de programas da Transparência Brasil, entidade que lidera as discussões sobre uso de IA na Segurança Pública dentro da Ebia, o Ministério da Justiça nunca enviou representantes às reuniões.

Não há portarias que definam periodicidade dos encontros. Entre dezembro de 2018 e dezembro de 2020, não houve reunião. Em 2021, foram duas e, no ano passado, uma.

De acordo com Glauco Arbix, da USP, o Brasil investe pouco em inovação desde o governo de Michel Temer (MDB). "Tem que recuperar o tempo perdido nos últimos seis anos, em que houve avanços tecnológicos no mundo, e a IA está sob domínio de grandes empresas e países como EUA e China."

"O Brasil ainda não acordou, espero que acorde agora no governo Lula. Precisa ter foco, prioridade e investimento, a começar pelo setor público. Sem isso, não é a pesquisa que ficará para trás, vão ficar empresas, a economia, o comércio e até o agronegócio", acrescenta Arbix.

Ele recorda que o país perdeu o boom dos eletroeletrônicos, nos anos 1970, que levou desenvolvimento a Coreia do Sul e a outros países do leste asiático.

Os projetos de maior monta na área são os CPAs (centros de pesquisa aplicada) em inteligência artificial, fomentados por MCTI, Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e CGI.br (Comitê Gestor da Internet).

Cada um deles recebe apoio por cinco anos, que pode ser renovado no término da vigência. A Fapesp pode entrar com até R$ 1 milhão anual, complementado com uma quantia de até R$ 1 milhão paga por empresas parceiras.

O C4AI (Center for Artificial Intelligence), da USP, por exemplo, recebe R$ 1 milhão da Fapesp e R$ 1 milhão da multinacional da informática IBM.

Os valores, todavia, são módicos em comparação com investimentos feitos por China e Estados Unidos.

Só o investimento do Departamento de Defesa dos EUA em inteligência artificial em 2023, US$ 1,8 bilhões (R$ 8,7 bilhões), supera todo o orçamento da pasta de Ciência e Tecnologia no Brasil —R$ 8,3 bilhões.

A média de gastos em pesquisa e desenvolvimento ao redor do mundo ficava em 2,13% do PIB em 2013, segundo dados do Banco Mundial. No Brasil, o último número, de 2020, indicava uma relação de 1,14%.

Investir em inteligência artificial no início da corrida é crucial para o país ser competitivo no futuro, segundo o coordenador do C4AI e professor de ciência da computação da USP, Fábio Cozman.

"O Brasil tem muito a seu favor: uma população grande, homogênea e falante majoritariamente da mesma língua, o governo detém dados estruturados, muitos órgãos produzem dados de qualidade. Tem o potencial de liderar alguns setores e ser um país de destaque na área", diz Cozman.

Ele destaca as áreas financeira, da saúde e do agronegócio, como setores-chave para o desenvolvimento da IA no Brasil.

Ferramentas de inteligência artificial não se limitam a geradores de texto, como o ChatGPT. Bancos usam IA para decidir a quem ceder crédito, agricultores, para interpretar imagens de satélite, e médicos, para fazer diagnósticos.

Ainda assim, outra preocupação é criar dados de qualidade para o português brasileiro e línguas indígenas do país. Os atuais modelos de linguagem natural lidam muito melhor com inglês e mandarim do que com outros idiomas.

"As informações catalogadas em português, no mundo, estão em par de igualdade com o que há em francês, alemão e italiano", diz o também professor de ciência da computação Marcelo Finger. De acordo com ele, há uma "disputa saudável" entre portugueses e brasileiros sobre quem contribui mais na área.

A qualidade de dados textuais e falados é fundamental para treinar os atuais modelos de inteligência artificial. Finger afirma que poucos dados bem tratados são tão ou mais importantes do que as grandes massas de informação raspadas da internet e também usadas nos treinamentos.

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