Igor Gielow

Repórter especial, foi diretor da Sucursal de Brasília da Folha. É autor de “Ariana”.

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Igor Gielow

Ainda que seja um instantâneo da enorme ressaca política causada pela virtual inabilitação de Luiz Inácio Lula da Silva na semana passada, a pesquisa do Datafolha publicada nesta quarta (31) sugere três movimentos importantes na disputa presidencial de 2018.

Primeiro, ela mostra que a primeira exposição ao sol do deputado Jair Bolsonaro (rumo ao PSL) parece ter queimado penas nas asas de sua candidatura. Sua intenção de voto oscila negativamente após as reportagens da Folha acerca do patrimônio de sua família, práticas comuns de políticos e respostas destemperadas.

É preciso esperar as próximas pesquisas, e o que mais venha a surgir sobre o controverso deputado, para estabelecer se o teto de Bolsonaro foi atingido, como já foi especulado neste espaço e por boa parte da classe política. E se ele tem poder de atração, até aqui inaudito apesar de perfis semelhantes em alguns estratos, sobre os muitos órfãos de Lula.

Um segundo aspecto indica que a espuma em torno da viabilidade de nomes alternativos ao de Geraldo Alckmin (PSDB) como representante das forças de centro-direita associadas ao governismo era exatamente isso: espuma. O badalado Rodrigo Maia (DEM) até vai bem para um deputado de 50 mil votos, mas está longe de surgir como estrela irresistível. Henrique Meirelles (PSD), por sua vez, segue onde sempre esteve.

Isso significa que Alckmin pode soltar fogos? Longe disso. Além da desconfiança que pontua o discurso de todos os seus potenciais aliados, a começar por lustrosos tucanos na cúpula do seu partido, o governador está perdendo tempo precioso de divulgação de imagem com a crise aberta pela disputa de sua sucessão em São Paulo com a insistência de Arthur Virgílio em ir a prévias com o paulista.

A velocidade quelônia do tucano na corrida não lhe serve bem, ainda que ele possa apostar na famosa gravidade e ausência de competidores sérios naquilo que o jargão chama de "seu campo".

Aqui entra o terceiro item a observar no Datafolha: uma interrogação bastante grande sobre a questão do "novo", uma candidatura de fora do sistema que possa a vir a mobilizar um eleitorado de resto bastante desmotivado após anos de crise política contínua.

A muitíssimo provável retirada do resiliente Lula (com intenção semelhante, como seria de se esperar dada a fidelização de seu eleitorado) da corrida eleva para um terço do eleitorado a fatia que prega o branco e nulo. Se isso lembra um pouco a eleição fora de época do Amazonas no ano passado, é mais possível que seja um efeito mais imediato da "queda da ficha" da inelegibilidade do petista.

A questão do destino de seus votos fica em aberto. Com Marina Silva e Ciro Gomes abocanhando fatias iguais e menores das sobras, chama a atenção os 31% de apoiadores de Lula que hoje dizem não votar em ninguém. É um grupo substancial de pessoas, que poderia estar no radar do "novo".

Aliás, em nota não desprezível, o antigo ocupante da encarnação do "novo", o prefeito João Doria (PSDB), segue em nível competitivo em relação a seu ex-padrinho, Alckmin. As paredes que estão sendo levantadas em volta de sua candidatura ao governo do Estado podem ressoar esse dado.

Aí entra o atual titular da vaga, o apresentador global Luciano Huck. Ele entra na série do Datafolha respeitavelmente empatado com Alckmin. Aliados seus falavam que o apresentador tinha a ausência de Lula do pleito como precondição para considerar de vez sua candidatura. Agora ela está dada, ainda que sua penetração imediata no eleitorado que era do petista ainda seja modesta, no mesmo nível do tucano.

Em resumo, aqui ainda é incerto se o Datafolha mostra uma avenida aberta a ser percorrida pelo "novo" ou um caminho acidentado pelos semáforos da estrutura político-partidária brasileira e sua atração gravitacional inexorável.

Por fim, uma nota dos ciclos da história: 29 anos depois, praticamente o mesmo número de pessoas não votaria hoje nem em Fernando Collor (PTC), nem em Lula.

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