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29/10/2002 - 03h26

O Nordeste remoto pintado nas rochas

KIYOMORI MORI
free-lance para a Folha de S.Paulo

Foi no Museu Paulista (Ipiranga, SP), em 1963, que a arqueóloga Niède Guidon, 70, conheceu o prefeito de São Raimundo Nonato (PI). Esbaforido, Gaspar Dias Ferreira pediu para mostrar algumas fotos de desenhos feitos por "índios" na sua terra natal. Os "desenhos" eram exemplos de pinturas rupestres.

Dez anos depois daquele encontro, a arqueóloga embarcaria rumo à caatinga do Piauí liderando um grupo de pesquisadores franceses. O resultado dessa expedição —e de tantas outras que se seguiriam nas décadas seguintes— foi a descoberta de mais de 30 mil pinturas e gravuras rupestres, algumas com cerca de 35 mil anos.

Em 1979, os achados acabaram dando origem ao Parque Nacional da Serra da Capivara, um dos maiores do mundo em aglomeração de pinturas rupestres —somente a França e a Austrália possuem áreas semelhantes. Seres humanos, animais e formas geométricas são alguns dos desenhos encontrados nas rochas e que têm óxido de ferro, argila e ossos queimados como matéria-prima dos pigmentos.


"Essas pinturas escaparam de queimadas, de desmatamentos e dos cupins", afirma Guidon, que hoje dirige o Museu do Homem Americano (Fumdham), em São Raimundo Nonato (PI), cidade mais próxima do Parque. Em 1991, a Unesco reconheceu a área como Patrimônio Histórico da Humanidade, considerando-a "um testemunho singular dos primeiros homens nas Américas".

Hoje, dos 400 sítios arqueológicos catalogados pelos pesquisadores, 107 estão abertos a visitação. "O viajante que passa por aqui quer aprender sobre a nossa pré-história", afirma Guidon.

Também no Piauí, o Parque Nacional de Sete Cidades é um destino que une pré-história com uma pitada de misticismo —661 km separam Piripiri de São Raimundo Nonato. Formadas há 400 milhões de anos na bacia sedimentar do rio Parnaíba, as formações rochosas de arenito foram esculpidas pela erosão do vento, do calor e da chuva, dando formas de ruínas de muros e torres que lembram uma cidade —daí o nome do parque.

Essa "arquitetura" serviu de fermento ao imaginário dos primeiros viajantes. Em 1928, o naturalista austríaco Ludwig Schwennhagen publicou em seu livro "História da Antiguidade Brasileira" (Imprensa Oficial do Piauí, esgotado) que as ruínas eram semelhantes às dos fenícios, povos que habitaram o Mediterrâneo, na região correspondente ao atual Líbano, no final do segundo milênio a.C. A comparação dos sítios arqueológicos daquela região com as "ruínas" de Sete Cidades não tem, no entanto, nenhum fundamento científico.

Nos anos 50, antes de o parque ser criado (1961), visitantes começaram a atribuir a construção das "cidades" a extraterrestres. "Até hoje, há turistas que acampam no parque e saem à noite em busca de alienígenas e ufos", conta a administradora do parque, Jânia Farias Carneiro, 40.

Uma visita não fica completa sem a inclusão da Paraíba. E a primeira parada no roteiro é o Vale dos Dinossauros, área localizada no sertão do Estado, a 9 km do município de Sousa.

Gabriela Romeu/Folha Imagem
Pintura rupestre no Parque Nacional da Serra da Capivara

No Vale, é possível observar cerca de 50 pegadas fossilizadas de dinossauros com até 120 milhões de anos (período cretáceo). Alguns dos exemplares chegam a medir um metro de diâmetro e 20 centímetros de profundidade —esses foram deixados por um dinossauro do grupo saurópodes, quadrúpede e vegetariano, com estimados 10 metros de altura e pesando 15 toneladas. As outras pegadas que podem ser observadas são as do Santanaraptor placidus, um animal bípede que alcançava 1,5 metro, carnívoro e extremamente rápido na locomoção.

As pegadas dos dinossauros foram deixadas no leito de rios e córregos da região que secaram. Com isso, o arenito deu origem a rochas sedimentares, fossilizando as marcas e preservando-as da ação do tempo. "Somente Portugal, EUA e Colômbia oferecem áreas em similar estado de preservação e quantidade de fósseis", diz Sérgio Alex Kugland de Azevedo, paleontólogo do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O Vale não cobra entrada, e as visitas acompanhadas por guias bilíngues (treinados por paleontólogos) são gratuitas.

Ainda na Paraíba, o turista não deve deixar de visitar o sítio arqueológico da Pedra do Ingá, no município de Campina Grande, distante 281 km de Sousa. Lá está o monolito de granito de 24 metros de largura e 3 metros de altura que ainda desafia pesquisadores: ninguém conseguiu decifrar o significado e a origem das gravuras rupestres em baixo relevo, datadas de pelo menos 3.000 anos. São cerca de 500 grafismos em formas de espirais e ramos.

Na internet:
- Arqueologia Brasileira: www.itaucultural.com.br/arqueologia
- Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional: www.iphan.gov.br

Livros:
- "Antes de Cabral: Arqueologia Brasileira" na "Revista USP", nº 44, vols. 1 e 2, Edusp
- "Pré-História da Terra Brasilis", de Maria Cristina Tenório (organizadora), Editora UFRJ, 380 págs., R$ 30
- "Pré-História do Nordeste do Brasil", de Gabriela Martin, Editora Universitária da UFPE
- "O Brasil no Tempo dos Dinossauros", de Alexander Kellner, Editora do Museu Nacional/UFRJ

Museus:
- Museu de Arqueologia e Etnologia da USP
Tel.: 0/xx/11/3091-4901
www.mae.usp.br
- Museu do Homem Americano (Fumdham)
Tel.: 0/xx/89/582-1612
- Museu Nacional/UFRJ
Tel.: 0/xx/21/2568-8262
http://acd.ufrj.br/museu/home.html

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