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29/10/2002
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03h15
Poesias Gerais
SILVIANO SANTIAGO especial para a Folha de S.Paulo
Não se transmite experiência. Se fosse possível transmiti-la, tenho um conselho para quem viaja pelas cidades históricas de Minas Gerais. Não dirija! Tome assento no banco do carona, pague um táxi, viaje de ônibus. E viva a deliciosa embriaguez dos sentidos. Ao pé da letra e simbolicamente. Um gole de pinga em cada parada rima com Congonhas, Ouro Preto, Sabará e Tiradentes. Lembre-se: cerveja não esquenta por dentro nem por fora. É coisa de carioca.
Diante do antigo esplendor setecentista que se transformou em museu da beleza ao ar livre, você oscila entre a euforia e a fossa. Cai a depressão. Se cai ao mesmo tempo em que bate a chuva e o ruço toma conta da cidade, você está perdido. Está em "ponto de bala", como dizem as doceiras das Gerais. Lembre-se, então, que trouxe na mochila "Claro Enigma", de Carlos Drummond. Vá direto à quarta seção do livro, "Selo de Minas". Despetale alguns versos enquanto caminha.
Entre lobo e cão, viaje poeticamente pela cidade. No adro da igreja de são Francisco de Assis, deposite o verso: "Não creio em vós para vos amar". E logo em seguida este outro: "Perdão, senhor, por não amar-vos". À porta do Museu da Inconfidência: "Toda história é remorso". Faminto, dirija-se ao garçom: "Comeríamos a mesa, se no-lo ordenassem as Escrituras". Vire Gene Kelly e grite aos quatro ventos: "Como chove, como pinga/ no país das remembranças!".Fatigado de tanta andança, caminhe de volta para o hotel: "Olha: o que está vivo/ são mortos do Carmo".
Silviano Santiago, 66, é romancista. Natural de Formiga (MG), é autor, entre outros, de "Uma História de Família" (Rocco).
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