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29/10/2002 - 03h13

Bahia com H

WALY SALOMÃO
especial para a Folha de S.Paulo

Tantas são as cidades envolvidas por uma bruma espessa ou difusa que apelam para o recolhimento interior e para o intenso escrutínio da alma penada batendo ao peito mea culpa, mea máxima culpa. Cidades imateriais sob um eterno "fog". Festas para os olhos são aquelas cidades que arregaçam a sensualidade e mostram miríades de cheiros, sabores e cores em caleidoscópica mescla.

Paris, Barcelona, Roma, Istambul, Marrakech, Calcutá, Rio de Janeiro e, por fim mas não por última, Salvador da Bahia de Todos os Santos. Elas disputam, exuberantes, a primazia do arrebatamento e desregramento de todos os sentidos, de toda as formas de amor, de alegria, de sofrimento e loucura.

Uma boa receita na arte de bem viver é ser politicamente incorreto: ser fiel a cada uma delas de per se e constituir um precioso harém de cidades amadas. Mas é uma maluquice sem cura alguém supor um regime socialista das afeições porque ninguém nunca viu um harém igualitário —todo harém que se preze possui sempre uma favorita. Bahia, uma odalisca à beira-mar plantada. E a Bahia arrasa quando entra na roda e arreganha todo H de sua imantação hipnótica. Diz o adágio popular que baiano não nasce, baiano estréia. E estréia num cenário deslumbrante. Olha só como a Bahia é desaforada: gosta de se exibir, de se expor, de se mostrar. Sobressaiu de cara, de nascença. Parece até que nasceu posando de "top model". Também pudera. Foram plantá-la no topo de uma colina sobre o mar enamorado que fica enrolando um eterno "bolinho de estudante" nas suas areias, pedras e falésias. Vem a calhar o adjetivo "assanhada" quando aplicado carinhosamente sobre esta cidade. Ela se remexe e deixa a moçada com água na boca.

Pobre do mortal empapuçado de luz atlântica, pau-de-reposta e caldo de sururu. Como pode se livrar da ilusão de que a eternidade retornou para ficar, quando assiste, sob um batuque malemolente, ao casamento do sol com o mar no fim de tarde do Porto da Barra? Será o genuíno pôr-do-sol do Porto da Barra ou é um céu tomado de empréstimo a El Greco? Ver a Bahia é ver em barrocas volutas.

Waly Salomão, 58, poeta, natural de Jequié (BA), é ex-presidente da Fundação Gregório de Matos, em Salvador, e ex-coordenador do Carnaval da capital baiana. Seu último livro é "O Mel do Melhor" (Rocco, 2001).

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