Governo teme corrida por gastos no início de 2025 e propõe blindagem extra ao arcabouço

Reajustes de salários ou novas renúncias fiscais só poderão ser feitos após certeza de que meta de 2024 foi cumprida

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Brasília

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) incluiu no PLDO (projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) uma espécie de gatilho preventivo para frear determinados gastos e renúncias no início de 2025, até comprovar o cumprimento da meta fiscal deste ano.

Segundo técnicos do governo, o objetivo é evitar o risco de uma corrida para elevar despesas com pessoal, conceder novos benefícios tributários ou adotar qualquer medida vedada pelos gatilhos do arcabouço numa curta janela em que os dados oficiais ainda não terão sido divulgados.

O Banco Central, órgão responsável pelas estatísticas oficiais de finanças públicas, costuma anunciar o resultado primário do ano fechado no fim de janeiro do exercício seguinte.

O ministro Fernando Haddad (Fazenda) e a ministra Simone Tebet (Planejamento) em coletiva do Orçamento de 2024 - Adriano Machado - 31.ago.2023/Reuters

Mas a demonstração de cumprimento da meta fiscal depende ainda de um outro documento exigido pela LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), o Relatório de Avaliação do Cumprimento das Metas Fiscais, publicado pelo Tesouro Nacional um mês depois, no fim de fevereiro.

O temor dos técnicos é que, diante de eventual perspectiva de estouro da meta fiscal para 2024, cresça a pressão para acelerar a implementação de medidas que ficariam proibidas pelas regras do arcabouço.

O alvo para este ano é zero, mas a margem de tolerância da regra autoriza um déficit de até R$ 28,9 bilhões.

A estimativa atual do governo é um resultado negativo em R$ 9,3 bilhões, mas membros do Executivo reconhecem que reveses recentes no Congresso Nacional podem agravar a situação das contas públicas. O mercado prevê um rombo de R$ 78,6 bilhões em 2024.

O artigo 26 do PLDO diz que as medidas proibidas pelos gatilhos, como alteração de estrutura de carreira que implique gasto, só poderão ser adotadas após a verificação da meta. Elas poderão ser incluídas na lei orçamentária, inclusive com previsão de recursos, mas sua execução só terá sinal verde após a comprovação de que o objetivo fiscal foi alcançado.

O tema é sensível especialmente para as reestruturações de carreiras em negociação pelo governo. A ministra Esther Dweck (Gestão e Inovação) discute com as categorias mudanças com reajuste apenas em 2025.

O artigo do PLDO indica que não se poderá mudar as carreiras já de forma preventiva até o fim de fevereiro. Em outras palavras, os reajustes só poderão ser colocados em prática após a publicação do demonstrativo da meta fiscal no fim de fevereiro, na melhor das hipóteses.

Se o déficit nas contas for maior que o autorizado na meta, o gatilho continuará acionado até o governo conseguir retomar a trajetória prometida para as contas, inviabilizando as reestruturações.

Os demais gatilhos do arcabouço fiscal vedam criação de cargos, empregos ou funções que impliquem aumento de despesa; criação de auxílios, vantagens, bônus ou benefícios de qualquer natureza; criação de despesa obrigatória ou o reajuste de um gasto existente acima da inflação (exceto o salário mínimo); criação ou expansão de subsídios ou subvenções; e concessão ou ampliação de incentivos tributários.

Se a meta for descumprida por dois anos seguidos, há uma escalada nas medidas de ajuste, com novas proibições a reajustes, contratações e concursos públicos.

Os gatilhos também valem para o caso de a despesa obrigatória do governo alcançar 95% do gasto total, um alarme de estrangulamento do orçamento com políticas carimbadas e sem possibilidade de remanejamento.

O arcabouço prevê a possibilidade de o presidente da República pedir dispensa ou gradação de um ou mais gatilhos, desde que adote outras medidas suficientes para reconduzir as contas para dentro do intervalo da meta fiscal.

O PLDO enviado ao Congresso também autoriza o governo a incluir na proposta orçamentária de 2025 um espaço extra correspondente à inclusão dos R$ 15,7 bilhões adicionais que serão liberados em 2024 na base de cálculo do limite de despesas do ano que vem.

Na prática, o artigo permite que esse valor seja apropriado desde já pelo Executivo e distribuído para diferentes políticas públicas, antes mesmo da verificação das condições de uso do dinheiro.

A medida deve ajudar a equipe econômica a fechar o Orçamento num cenário em que o crescimento de despesas obrigatórias já exerce pressão sobre os demais gastos, como custeio e investimentos.

O uso do dinheiro, porém, ficará condicionado até o governo comprovar ter tido uma arrecadação em 2024 com crescimento real (acima da inflação) superior a 3,6% em relação a 2023, para que a aplicação da regra do arcabouço (70% do avanço da receita) resulte na expansão máxima de 2,5% sobre o limite de gastos. Hoje, as despesas podem crescer até 1,7% acima da inflação.

Como mostrou a Folha, o governo atuou na Câmara dos Deputados para antecipar a liberação dos R$ 15,7 bilhões em 2024 e facilitar sua incorporação também em 2025. O texto ainda precisa ser votado pelo Senado Federal.


GATILHOS DO ARCABOUÇO

No primeiro ano após o estouro da meta, ficam proibidos:

  • criação de cargo, emprego ou função que implique aumento de despesa

  • alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa

  • criação ou majoração de auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza, exceto quando derivados de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior ao início da aplicação dos gatilhos

  • criação de despesa obrigatória

  • adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação (exceto o salário mínimo)

  • criação ou expansão de programas e linhas de financiamento, bem como remissão, renegociação ou refinanciamento de dívidas que impliquem ampliação das despesas com subsídios e subvenções

  • concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária

Se a meta for descumprida por dois anos seguidos, também ficam vedados:

  • concessão, a qualquer título, de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de membros de Poder ou de órgão, de servidores e empregados públicos e de militares, exceto dos derivados de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior ao início da aplicação dos gatilhos

  • admissão ou contratação de pessoal, exceto reposições de cargos de chefia e direção ou de cargos efetivos vagos, além de contratações temporárias

  • realização de concurso público, exceto para as reposições de vacâncias

Em outra situação, se a despesa obrigatória alcançar 95% do total, ficam vedados:

  • todas as hipóteses anteriores, exceto as medidas envolvendo renúncias tributárias

O que diz o PLDO 2025:

O texto incluiu uma espécie de gatilho preventivo para evitar que as medidas proibidas sejam adotadas numa curta janela de tempo em que o cumprimento ou não das regras ainda não terá sido comprovado. Na prática, as vedações ficam valendo até a verificação da meta e do limite de gastos obrigatórios.

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