Arcabouço pode travar gasto com servidores e renúncias se meta for descumprida

Relator do projeto, deputado Cláudio Cajado estuda inserir no texto gatilhos a serem acionados quando país tiver contas piores do que o esperado

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

O novo arcabouço fiscal pode ganhar gatilhos para conter o aumento de despesas com pessoal e a concessão de novas renúncias fiscais em caso de descumprimento da meta de resultado primário, disse nesta terça-feira (9) o relator da proposta, deputado Cláudio Cajado (PP-BA).

Cajado afirmou que vai apresentar o relatório sobre o tema até quinta-feira (11) e, segundo ele, sugestões nessa direção foram apresentadas por parlamentares. Ele evitou, porém, cravar um veredito sobre a inclusão ou não desses dispositivos no texto.

Em entrevista à Folha, o deputado já havia demonstrado a intenção de incluir gatilhos de ajuste nas despesas. A ausência de um comando mais rígido de medidas de reequilíbrio no texto do arcabouço fiscal tem sido um ponto frequente de críticas vindas de congressistas e agentes do mercado financeiro.

O deputado federal Cláudio Cajado, relator do projeto do Arcabouço Fiscal na câmara, durante entrevista à Folha - Pedro Ladeira/Folhapress

Interlocutores ouvidos pela reportagem afirmam que os gatilhos podem ser inspirados no artigo 167-A da Constituição, que foi inserido pela PEC (proposta de emenda à Constituição) Emergencial, em 2021, e continuará em vigor. Ele prevê medidas de contenção fiscal como vedação a aumentos salariais para o funcionalismo, realização de novos concursos públicos e concessão de novos incentivos fiscais.

A inclusão desses dispositivos de ajuste, no entanto, vem sendo tratada como uma questão separada da criminalização em si do descumprimento da meta. O governo tem a preocupação de evitar que um gestor seja punido pessoalmente, em seu CPF, caso o objetivo fiscal não seja cumprido.

"Existem teses de que, se você tenta criminalizar o não atingimento de metas, não permite ao gestor buscar metas ambiciosas. Ele coloca uma meta menos ambiciosa", disse Cajado em almoço da FPE (Frente Parlamentar do Empreendedorismo).

"Hoje [quem está envolvido nas discussões] não se preocupa tanto em criminalizar o gestor, mas sim em punir a gestão com eventuais gatilhos e sanções. Estamos estudando isso", acrescentou o relator.

Segundo ele, haverá algum tipo de "enforcement" (termo em inglês que indica comandos para o cumprimento das regras), mas que não seja excessivo. "Não devemos encarar as sanções de forma draconiana", disse.

Cajado reafirmou que deve incluir no texto do arcabouço os parâmetros que ditarão o ritmo de avanço das despesas, como havia antecipado em entrevista à Folha.

O projeto apresentado pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) prevê que os gastos vão subir de 0,6% a 2,5% acima da inflação por ano, mas essas referências seriam válidas apenas entre 2024 e 2027. Depois disso, a escolha dos parâmetros poderia ser feita na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) –enviada no primeiro ano de cada mandato e mais fácil de ser modificada por demandar menos votos do que um projeto de lei complementar

A intenção do deputado é colocar esses números no corpo do projeto de lei, tornando mais custosa sua eventual alteração.

Ele ainda reiterou que estuda modificar a lista de despesas que ficam fora do limite. O governo incluiu 13 exceções, entre elas aportes em empresas estatais não financeiras –lista que pode ser alterada no parecer.

O deputado afirmou ainda que aguarda uma posição do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sobre a data da votação do texto em plenário. A expectativa no momento é que a apreciação da proposta ocorra na próxima semana. Mantido esse cenário, o relator pretende apresentar seu parecer até a quinta-feira (11).

O deputado marcou para a noite desta terça reunião com o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, para discutir o relatório a ser apresentado. O governo sofreu uma derrota no Congresso neste mês na análise de decretos do Executivo relativos ao Marco do Saneamento. Cajado acredita, porém, que no arcabouço o Palácio do Planalto não sairá derrotado.

"Penso que a votação vai ser tranquila porque todos têm consciência que é a lei mais importante que vamos votar neste ano e que é uma lei do país. Claro que vai beneficiar o atual governo, mas vai perpassar para os próximos governos. Estamos trazendo um marco fiscal que vai trazer equilíbrio das contas públicas".

A ministra do Planejamento, Simone Tebet (MDB), elogiou a atuação do relator. Ela participou de sessão conjunta das Comissões de Desenvolvimento Regional e de Infraestrutura do Senado na manhã desta terça (9).

De acordo com ela, todas as sugestões de Cajado são analisadas pelas equipes técnicas dos ministérios da área econômica e muitas delas, como a inclusão do piso da enfermagem dentro do limite de gastos, foram debatidas dentro do governo antes do envio do projeto ao Congresso.

"O arcabouço vem com o objetivo de controlar os gastos públicos, precisamos resolver o problema do fiscal", ponderou Tebet.

Veja pontos adiantados pelo relator do novo marco fiscal em tramitação no Congresso:

1 - Parâmetros para despesa vão ter blindagem contra mudança de governo

A nova regra fiscal tem indicadores que ditam o ritmo de crescimento das despesas: prevê que os gastos vão subir de 0,6% a 2,5% acima da inflação por ano, mas essas referências seriam válidas apenas entre 2024 e 2027.

Depois disso, a escolha dos parâmetros poderia ser feita na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), e aí é que o relator enxerga um problema. A LDO é mais fácil de mudar: precisa do aval de apenas metade dos presentes na sessão mais um, desde que compareçam 257 deputados e 41 senadores (maioria simples).

Segundo Cajado, na média a LDO tem sido alterada três vezes por ano.

O relator pretende fixar esses parâmetros já no texto do projeto de lei complementar, um texto mais difícil de ser alterado: precisa do aval de ao menos 257 deputados e 41 senadores (maioria absoluta).

Fixá-los no novo marco fiscal dificultaria que fossem alterados a partir de 2028. "Traz segurança e mais confiabilidade", disse Cajado.

2 - Exigências podem ficar mais duras se regra for descumprida

O relator cogita tornar mais rígidas as exigências para o cumprimento da regra. Pela proposta do governo, se a meta fiscal não for cumprida, o ritmo de crescimento real das despesas cai de 70% para 50% da alta das receitas, e o presidente precisa enviar uma mensagem ao Congresso citando iniciativas de ajuste.

Entre as mudanças estudadas pelo relator pode vir a obrigação de contingenciar recursos durante o ano se houver ameaça de que a meta fiscal não será obtida. Na versão do governo, o bloqueio seria opcional.

"Estamos avaliando o que chamamos de gatilhos. Seriam punições a mais. Sanções pelo não cumprimento da meta", disse Cajado.

3 - Lista de despesas que ficam fora do teto pode ser será revista

O relator indicou que estuda modificar a lista de despesas que ficam fora do limite –segundo ele, houve muitas críticas às excepcionalidades o governo deixou 13 casos de fora das amarras da nova regra.

"Tem muita sugestão, para incluir e para tirar [da lista de exceções]. Muito mais para tirar", disse Cajado, embora tenha evitado explicitamente declarar sua posição a respeito: "Não quero emitir opinião, porque a discussão pode travar. (...) Estou colhendo as informações".

Ele indicou, no entanto, que espera mexer em despesas que hoje estão constitucionalizadas pela PEC da Transição e deixariam de ter a proteção constitucional com a sanção do arcabouço.

Investimentos do Tesouro em empresas estatais podem ser um dos alvos principais dessa mudança.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.