O novo arcabouço fiscal pode ganhar gatilhos para conter o aumento de despesas com pessoal e a concessão de novas renúncias fiscais em caso de descumprimento da meta de resultado primário, disse nesta terça-feira (9) o relator da proposta, deputado Cláudio Cajado (PP-BA).
Cajado afirmou que vai apresentar o relatório sobre o tema até quinta-feira (11) e, segundo ele, sugestões nessa direção foram apresentadas por parlamentares. Ele evitou, porém, cravar um veredito sobre a inclusão ou não desses dispositivos no texto.
Em entrevista à Folha, o deputado já havia demonstrado a intenção de incluir gatilhos de ajuste nas despesas. A ausência de um comando mais rígido de medidas de reequilíbrio no texto do arcabouço fiscal tem sido um ponto frequente de críticas vindas de congressistas e agentes do mercado financeiro.
Interlocutores ouvidos pela reportagem afirmam que os gatilhos podem ser inspirados no artigo 167-A da Constituição, que foi inserido pela PEC (proposta de emenda à Constituição) Emergencial, em 2021, e continuará em vigor. Ele prevê medidas de contenção fiscal como vedação a aumentos salariais para o funcionalismo, realização de novos concursos públicos e concessão de novos incentivos fiscais.
A inclusão desses dispositivos de ajuste, no entanto, vem sendo tratada como uma questão separada da criminalização em si do descumprimento da meta. O governo tem a preocupação de evitar que um gestor seja punido pessoalmente, em seu CPF, caso o objetivo fiscal não seja cumprido.
"Existem teses de que, se você tenta criminalizar o não atingimento de metas, não permite ao gestor buscar metas ambiciosas. Ele coloca uma meta menos ambiciosa", disse Cajado em almoço da FPE (Frente Parlamentar do Empreendedorismo).
"Hoje [quem está envolvido nas discussões] não se preocupa tanto em criminalizar o gestor, mas sim em punir a gestão com eventuais gatilhos e sanções. Estamos estudando isso", acrescentou o relator.
Segundo ele, haverá algum tipo de "enforcement" (termo em inglês que indica comandos para o cumprimento das regras), mas que não seja excessivo. "Não devemos encarar as sanções de forma draconiana", disse.
Cajado reafirmou que deve incluir no texto do arcabouço os parâmetros que ditarão o ritmo de avanço das despesas, como havia antecipado em entrevista à Folha.
O projeto apresentado pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) prevê que os gastos vão subir de 0,6% a 2,5% acima da inflação por ano, mas essas referências seriam válidas apenas entre 2024 e 2027. Depois disso, a escolha dos parâmetros poderia ser feita na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) –enviada no primeiro ano de cada mandato e mais fácil de ser modificada por demandar menos votos do que um projeto de lei complementar
A intenção do deputado é colocar esses números no corpo do projeto de lei, tornando mais custosa sua eventual alteração.
Ele ainda reiterou que estuda modificar a lista de despesas que ficam fora do limite. O governo incluiu 13 exceções, entre elas aportes em empresas estatais não financeiras –lista que pode ser alterada no parecer.
O deputado afirmou ainda que aguarda uma posição do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sobre a data da votação do texto em plenário. A expectativa no momento é que a apreciação da proposta ocorra na próxima semana. Mantido esse cenário, o relator pretende apresentar seu parecer até a quinta-feira (11).
O deputado marcou para a noite desta terça reunião com o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, para discutir o relatório a ser apresentado. O governo sofreu uma derrota no Congresso neste mês na análise de decretos do Executivo relativos ao Marco do Saneamento. Cajado acredita, porém, que no arcabouço o Palácio do Planalto não sairá derrotado.
"Penso que a votação vai ser tranquila porque todos têm consciência que é a lei mais importante que vamos votar neste ano e que é uma lei do país. Claro que vai beneficiar o atual governo, mas vai perpassar para os próximos governos. Estamos trazendo um marco fiscal que vai trazer equilíbrio das contas públicas".
A ministra do Planejamento, Simone Tebet (MDB), elogiou a atuação do relator. Ela participou de sessão conjunta das Comissões de Desenvolvimento Regional e de Infraestrutura do Senado na manhã desta terça (9).
De acordo com ela, todas as sugestões de Cajado são analisadas pelas equipes técnicas dos ministérios da área econômica e muitas delas, como a inclusão do piso da enfermagem dentro do limite de gastos, foram debatidas dentro do governo antes do envio do projeto ao Congresso.
"O arcabouço vem com o objetivo de controlar os gastos públicos, precisamos resolver o problema do fiscal", ponderou Tebet.
Veja pontos adiantados pelo relator do novo marco fiscal em tramitação no Congresso:
1 - Parâmetros para despesa vão ter blindagem contra mudança de governo
A nova regra fiscal tem indicadores que ditam o ritmo de crescimento das despesas: prevê que os gastos vão subir de 0,6% a 2,5% acima da inflação por ano, mas essas referências seriam válidas apenas entre 2024 e 2027.
Depois disso, a escolha dos parâmetros poderia ser feita na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), e aí é que o relator enxerga um problema. A LDO é mais fácil de mudar: precisa do aval de apenas metade dos presentes na sessão mais um, desde que compareçam 257 deputados e 41 senadores (maioria simples).
Segundo Cajado, na média a LDO tem sido alterada três vezes por ano.
O relator pretende fixar esses parâmetros já no texto do projeto de lei complementar, um texto mais difícil de ser alterado: precisa do aval de ao menos 257 deputados e 41 senadores (maioria absoluta).
Fixá-los no novo marco fiscal dificultaria que fossem alterados a partir de 2028. "Traz segurança e mais confiabilidade", disse Cajado.
2 - Exigências podem ficar mais duras se regra for descumprida
O relator cogita tornar mais rígidas as exigências para o cumprimento da regra. Pela proposta do governo, se a meta fiscal não for cumprida, o ritmo de crescimento real das despesas cai de 70% para 50% da alta das receitas, e o presidente precisa enviar uma mensagem ao Congresso citando iniciativas de ajuste.
Entre as mudanças estudadas pelo relator pode vir a obrigação de contingenciar recursos durante o ano se houver ameaça de que a meta fiscal não será obtida. Na versão do governo, o bloqueio seria opcional.
"Estamos avaliando o que chamamos de gatilhos. Seriam punições a mais. Sanções pelo não cumprimento da meta", disse Cajado.
3 - Lista de despesas que ficam fora do teto pode ser será revista
O relator indicou que estuda modificar a lista de despesas que ficam fora do limite –segundo ele, houve muitas críticas às excepcionalidades —o governo deixou 13 casos de fora das amarras da nova regra.
"Tem muita sugestão, para incluir e para tirar [da lista de exceções]. Muito mais para tirar", disse Cajado, embora tenha evitado explicitamente declarar sua posição a respeito: "Não quero emitir opinião, porque a discussão pode travar. (...) Estou colhendo as informações".
Ele indicou, no entanto, que espera mexer em despesas que hoje estão constitucionalizadas pela PEC da Transição e deixariam de ter a proteção constitucional com a sanção do arcabouço.
Investimentos do Tesouro em empresas estatais podem ser um dos alvos principais dessa mudança.
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