Flynn, que apresentou renúncia a Trump, já foi demitido por Obama

STEPHEN BRAUN
ROBERT BURNS
DA ASSOCIATED PRESS, EM WASHINGTON

Demitido por insubordinação de seu posto no governo de um comandante em chefe norte-americano, Michael Flynn agora acaba de enviar a outro o seu pedido de renúncia.

O presidente Donald Trump vinha ponderando o que fazer quanto ao seu assessor de segurança nacional, um general de três estrelas reformado conhecido pela falta de tato e que se enredou em controvérsias já nas primeiras três semanas do novo governo. Flynn pediu demissão na noite de segunda-feira (13).

Estavam em questão os contatos de Flynn com o embaixador da Rússia em Washington. Flynn parece ter discutido com o russo as sanções dos Estados Unidos contra Moscou, no final do ano passado, o que causa questões sobre um envolvimento não autorizado em política externa quando o presidente Barack Obama ainda estava no posto. Ele também pode ter ocultado esses contatos dos integrantes da equipe de Trump.

A incerteza sobre o futuro de Flynn havia se aprofundado na segunda-feira, quando a Casa Branca divulgou um comunicado no qual informava que Trump estava "avaliando a situação" de Flynn. Em sua carta de renúncia, Flynn disse ter conversado diversas vezes com o embaixador russo aos Estados Unidos, no período de transição, e fornecido "informações incompletas" sobre essas conversas ao vice-presidente Mike Pence.

Estar no centro de uma controvérsia é uma posição conhecida para Flynn. Sua carreira militar terminou quando Obama o demitiu do comando da Agência de Inteligência da Defesa, em 2014. Flynn diz que foi forçado a sair porque tinha posições mais duras que as do presidente quanto ao extremismo islâmico. Mas um antigo funcionário de primeiro escalão do governo dos Estados Unidos disse que a demissão aconteceu por insubordinação, depois de Flynn ter se recusado a seguir ordens de seus superiores.

Fora do governo, ele desapareceu no mundo nebuloso das companhias de defesa de médio porte e dos profissionais de tráfico de influência internacional. Em dezembro de 2015, Flynn participou de um banquete em Moscou cujo convidado de honra foi o presidente Vladimir Putin.

Flynn, que foi eleitor registrado do Partido Democrata por toda a vida, embora apolítico, se tornou um dos mais entusiásticos assessores de Trump, repetindo o grito de guerra "o lugar dela é na cadeia", sobre Hillary Clinton, em eventos de campanha e recorrendo ao Twitter para afirmar que "ter medo de muçulmanos é racional".

Flynn não precisou de confirmação do Senado para servir como assessor de segurança nacional, e seu histórico não passou por um pente fino antes de ele assumir o posto.

O "The Washington Post" e outros jornais norte-americanos, citando antigos e atuais funcionários do governo, reportaram na semana passada que Flynn havia feito menções explícitas às sanções norte-americanas contra a Rússia em conversas com Sergey Kislyak, o embaixador de Putin em Washington.

Um dos telefonemas aconteceu em 29 de dezembro, o dia em que Obama anunciou novas penalidades contra os serviços de inteligência russos por conta de alegações de que eles teriam interferido na eleição norte-americana com o objetivo de ajudar Trump a vencer.

Embora não seja incomum que integrantes de um novo governo conversem com representantes de governos estrangeiros antes da posse de um presidente, os contatos repetidos, no exato momento em que os Estados Unidos estavam aplicando sanções, sugerem que a equipe de Trump pode ter ajudado os russos na formulação de sua resposta.

E o ocorrido contradiz diversos integrantes da equipe de Trump, entre os quais o vice-presidente, que negaram que esses contatos tivessem ocorrido. Alguns legisladores democratas querem uma investigação do Congresso a respeito da questão.

Trump vem mantendo o silêncio sobre o assunto há dias, o que é muito incomum para o presidente. Embora seus assessores tenham declarado que ele continuava confiando em Flynn, Trump disse a pessoas próximas a ele, em conversas privadas, que a situação o incomodava, de acordo com alguém que conversou com ele recentemente.

O brilhante currículo de Flynn nas Forças Armadas inclui postos de primeira importância no país e no exterior, e grandes elogios de seus superiores.

Filho de um veterano do Exército que combateu na Segunda Guerra Mundial e na Guerra da Coreia, Flynn foi comissionado como segundo-tenente em maio de 1981. Seu primeiro posto foi no setor de inteligência, e ele ascendeu a postos importantes, entre os quais o de oficial de inteligência do Comando Central dos Estados Unidos, que controla as forças militares do país no Oriente Médio.

Ian McCulloh, especialista em ciência de dados da Universidade Johns Hopkins, se tornou admirador de Flynn enquanto servia no Afeganistão como tenente-coronel do exército, em 2009.

Na época, Flynn controlava os serviços de inteligência da coalizão internacional liderada pelos Estados Unidos em Cabul, e estava pressionando por abordagens mais criativas para atacar as redes do Taleban, entre as quais o uso de técnicas de mineração de dados e análise de redes sociais, de acordo com McCulloh.

"Ele nos pressionava a pensar de modo inovador, a tentar usar melhor a tecnologia e a inovar", disse McCulloh, para quem Flynn foi responsável por um avanço na efetividade dos sistemas de seleção de alvos dos Estados Unidos. "Muita gente não gostava daquilo, porque era diferente".

Depois de deixar as Forças Armadas, Flynn mergulhou na vida civil e tentou aproveitar os contatos e experiência de sua carreira militar e nos serviços de informações.

Ele abriu uma consultoria, a Flynn Intelligence Group, montando uma equipe de veteranos reformados das Forças Armadas com experiência em cibernética, logística e vigilância.

Flynn fomentava controvérsias com seus alertas sombrios sobre o Islã, que ele define como uma "ideologia política" que "se esconde por trás da religião".

Mas a preocupação aparentemente não se estendia ao governo do presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, que estava reprimindo dissidentes e encarcerando milhares de oposicionistas depois de uma tentativa frustrada de golpe de Estado em julho do ano passado.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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