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O trapezista frenético
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MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA sãopaulo
No início do documentário "When You're Strange", do diretor Tom DiCillo, o cantor e compositor Jim Morrison dirige seu carro pelo deserto, quando ouve no rádio o anúncio da própria morte, de ataque cardíaco, em Paris.
Essa colagem de dois registros reais é o único elemento fictício de um filme que resgata preciosas imagens da banda The Doors e da juventude do vocalista Morrison. À diferença do longa "The Doors", de Oliver Stone, que insistiu nos aspectos mais sensacionalistas das viagens alucinógenas de Morrison (mas que está longe de ser infiel a sua existência incandescente), "When You're Strange" aborda com sobriedade essa trajetória nada sóbria.
O consumo de drogas é incontornável no caso de um astro pop e poeta que colheu o nome da banda num verso de William Blake: "Se as portas da percepção estivessem limpas, tudo se mostraria ao homem tal como é, infinito" --frase que também daria origem ao ensaio "As Portas da Percepção", de Aldous Huxley.
Mas DiCillo insere os "paraísos artificiais" no contexto da contracultura dos anos 1960, além de mostrar como o cantor foi se transformando numa espécie de "clown" da psicodelia, atraindo o público mais por suas performances turbulentas (não raro seguidas de prisões) do que pelas interpretações de um cantor que considerava sua voz um "grito doentio" e tinha admiração confessa por Elvis Presley e Frank Sinatra!
A música, aliás, é o foco principal do documentário, cuja narrativa veloz não descuida do texto, lido pelo ator Johnny Depp e responsável por análises que restauram a importância dos outros integrantes da banda: o baterista de jazz John Densmore, o guitarrista Robby Krieger (que tocava sem palheta e trouxe referências do flamenco) e o tecladista Ray Manzarek.
Até mesmo a ausência de um baixista na banda adquire conotações positivas, com o baixo do piano elétrico de Manzarek fornecendo um tom ao mesmo tempo infantil e sinistro, a trilha ideal para o cenário circense em que Morrison desempenhava o papel de "trapezista frenético" antes de abandonar tudo e rumar para Paris, publicar livros de poesia e ser enterrado no mesmo cemitério (Pére Lachaise) que outros "malditos" como Gérard de Nerval, Oscar Wilde e Guillaume Apollinaire.
LIVRO
VIAGENS DE GULLIVER ****
Jonathan Swift; tradução de Paulo Henriques Britto (Penguin-Companhia, 448 págs., R$ 29,50)
Nesse clássico do escritor irlandês (uma paródia dos livros de viagem), os estranhos mundos encontrados por Gulliver são uma deformação em miniatura da Inglaterra do século 18. Além da primorosa tradução do poeta Paulo Henriques Britto, a obra tem prefácio de George Orwell --autor da distopia "1984" e da sátira "A Revolução dos Bichos", que ecoa Swift.
DISCO
BACH: A STRANGE BEAUTY ***
Simone Dinnerstein (Naxos, R$ 93,70)
A pianista norte-americana extraiu o título de seu disco ("Uma Estranha Beleza") de uma citação do filósofo Francis Bacon: "Não existe beleza que não tenha alguma estranheza em sua proporção". Embora associemos Bach à ideia de perfeição formal, são as surpresas contidas nas sequências de seus concertos que Dinnestein realça em interpretações com a Staatskapelle Berlin.
FILME
OS INQUILINOS ***
Sergio Bianchi (Lume, R$ 39,90)
O cinema sem complacência de Bianchi (crítico mordaz das elites brasileiras) se volta para a periferia de São Paulo. Tendo como pano de fundo um dia de ataques do PCC, o honesto cotidiano de uma família de trabalhadores é perturbado por novos e violentos vizinhos. O cinismo da classe média dá lugar à abnegação moral --face ultrajada de nossa sociabilidade "cronicamente inviável".
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