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06/02/2011 - 09h15

Jantar no Australian Steak

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FABRÍCIO CORSALETTI
COLUNISTA DA REVISTA sãopaulo

Na semana passada levei os filhos da minha mulher ao shopping Eldorado pra comprar um jogo de PlayStation 3 e acabamos jantando num restaurante de carnes australiano, desses de franquia, onde trabalhei como garçom de fevereiro a junho de 2002.

Não gosto de shoppings e nunca tinha comido no (vamos chamá-lo assim) Australian Steak, embora soubesse que a comida era benfeita. O Pedro e o Miguel, no entanto, decidiram que íamos comer lá, e então achei que poderia ser bom, depois de nove anos, voltar àquele lugar que, se não pôs fim à depressão pela qual eu estava passando na época, ao menos me deu tempo necessário pra rearranjar minha vida, me afastou das conversas sobre literatura, que estavam minando a minha vontade de fazer literatura, e pagou meu aluguel.

O Pedro comeu picanha e adorou, o Miguel comeu um t-bone e adorou, eu comi costeletas de porco defumadas --a carne soltando dos ossos como nuvens se desfazendo no céu... da boca, claro. A metáfora foi ruim, a piada, infame, mas as costeletas estavam excelentes, e enquanto eu as comia fui me lembrando dos detalhes e de algumas histórias do meu antigo emprego.

Limpar os talheres com álcool e enrolá-los dentro dos guardanapos, que antes eram vermelhos e agora são verdes. Jamais sair da cozinha de mãos abanando, pois sempre haveria algum prato pra ser levado à mesa. Tirar os pedidos de joelhos (juro), pra criar um "clima de intimidade" com os clientes. (Por sorte, a garota que nos atendeu não se ajoelhou.)

De madrugada, depois do expediente, eu pegava na Rebouças um ônibus pro centro, onde morava. Se não havia mais ônibus e nenhum dos garçons que tinham carro me oferecia carona, eu ia embora a pé; às vezes parava na Vila Madalena pra beber com os amigos, como prêmio por não ter gasto meu dinheiro num táxi. Mas em geral optava por ficar quieto no meu canto lendo "O Jogo da Amarelinha", de Júlio Cortázar, e uma biografia de Walt Whitman, os únicos livros que li durante aqueles quatro meses. Que livros sensacionais!

Uma noite a atriz Irene Ravache apareceu no restaurante. Achei-a lindíssima. Mas quem a atendeu foi a Dani ou a Juliana, não tenho certeza. A mim coube, na semana seguinte, a mesa do produtor & nunca-soube-bem-o-quê da bossa nova Luís Carlos Miéle, acompanhado da irmã e de outras senhoras. Fiz o que pude pra agradar alguém que tinha enchido a cara com Vinicius de Moraes, tentei não errar os pedidos, providenciei todas as vodcas (com pouco gelo) que ele quis e até conversei com a sua irmã sobre "O Vermelho e o Negro". Não adiantou. Apesar de ter deixado os dez por cento, o Miéle saiu do Australian Steak insatisfeito com o meu trabalho, resmungando que eu era um garçom lerdo demais.

No que ele provavelmente estava certo, porque no dia em que pedi demissão meu patrão me disse que nem acreditava que eu tinha durado tanto tempo; segundo ele eu não dava pra coisa.

Adorável criatura, o Miguel perguntou se eu me importava de ir logo pra casa, eles queriam jogar o game novo. Eu não me importava.

 

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