Câmara aprova urgência e coloca em pauta projeto de 'estrada-parque' em área protegida

Estrada atinge o Parque Nacional do Iguaçu, onde vivem onças-pintadas e outras espécies ameaçadas

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Curitiba

A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (9) um pedido de urgência para apreciação do projeto de lei que propõe uma nova categoria de unidade de conservação no Brasil, a de estrada-parque, e cria a primeira experiência do tipo na estrada Caminho do Colono, um trecho de 18 km que atravessa o Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná.

A urgência foi aprovada por 315 contra 138 votos dos deputados. Com isso, a proposta não precisa mais respeitar o trâmite normal nas comissões da Casa e entra no regime de urgência do plenário, com pareceres a serem apresentados e votados no momento da apreciação do texto. O projeto já foi incluído na pauta desta quinta-feira (10), mas não foi discutido.

A ideia é criticada por especialistas por atingir uma área onde vivem onças-pintadas e outras espécies ameaçadas. O parque existe como unidade de conservação desde 1939. A alteração provocaria a reabertura da estrada PR-495, criada na década de 1950 mas fechada em 1986 por determinação da Justiça. A área já foi quase toda recoberta por vegetação nativa.

Estrada ligeiramente encoberta por vegetação e envolta por floresta
Parque Nacional do Iguaçu - Estrada do Colono - Marcos Labanca

A oposição criticou a aprovação de urgência e a própria ideia do projeto. “É rasgar ao meio a última reserva de mata atlântica do interior do país. Mais do que isso, criar uma categoria de conservação risível chamada estrada-parque que vai promover desmatamento, ampliar e apoiar a ‘boiada’ do desmonte ambiental”, afirmou a deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ).

Autor da proposta, o deputado Vermelho (PSD-PR) disse que a intenção é construir um projeto “sustentável, unindo a humanidade com a natureza”. “Somos responsáveis e estamos no ano de 2021. Se não tivermos competência e capacidade de construir uma estrada ecologicamente correta, podemos devolver o Brasil aos índios”, discursou.

Na justificativa do texto, Vermelho cita que a reabertura da estrada é uma reivindicação antiga da região. O trajeto total de 100 km ligava os municípios de Serranópolis a Capanema. Hoje, essa distância pelas rodovias que contornam a área protegida é de 179 km. A ideia conta com o aval do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), como ele já declarou em visitas ao estado.

Em 2019, a Folha sobrevoou a área de helicóptero, percorrendo o mesmo trajeto da antiga estrada, mas encontrou poucos rastros de rota aberta. O único ponto em que o desenho da estrada pode ser percebido –como uma pequena cicatriz em meio à mata fechada— fica no início do parque, na divisa com Serranópolis.

Além de facilitar o escoamento da safra, o deputado diz que, com a reabertura, haverá um resgate da “história e das relações socioeconômicas, ambientais e turísticas da região”. Cita ainda que pode haver uma elevação da consciência da população sobre a preservação do local.

Na discussão de urgência, o deputado Nilto Tatto (PT-SP) afirmou que o projeto distorce o conceito de estrada-parque, já existente em outros países como passagem para observação da natureza, mas não para trânsito de veículos e cargas. Disse ainda que a aprovação da proposta abre um precedente que pode atingir outras unidades de conservação do Brasil.

“Na hora que divulgarem para o mundo todo que o Brasil construiu uma estrada dentro do Parque Iguaçu, pode ter certeza de que vai haver impacto negativo para o país”, afirmou.

Parecer do Ministério Público Federal (MPF) aponta que ao menos 20 hectares de mata atlântica devem ser atingidos pela reabertura e cita outros potenciais danos, como morte de espécies nativas, atropelamento de animais e criação de uma rota de contrabando na região.

Para o Ministério Público do Paraná, a reabertura da estrada desrespeita leis de proteção à mata atlântica e a decisão judicial de 1986, que mandou fechar o trecho.

Ao fundo, as Cataratas do Iguaçu e, à frente, dez pessoas seguram uma faixa com as inscrições "Não é estrada-parque, é estrada rasgando o parque #EstradadoColonoNão"
Na terça-feira (8), organizações manifestaram contra a reabertura de estrada dentro do Parque Nacional do Iguaçu - Marcos Labanca

Além do risco ambiental, parlamentares citaram que as Cataratas do Iguaçu, que ficam dentro do parque, correm o risco de perder o título de patrimônio natural da humanidade concedido pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), visto que a instituição já demonstrou preocupação sobre outras tentativas de reabertura da estrada.

Um grupo de líderes políticos, que inclui o vice-presidente do PDT, Ciro Gomes, encaminhou nesta semana uma carta à Unesco pedindo um posicionamento atual sobre o projeto.

Na terça-feira (8), houve uma manifestação no Parque Nacional do Iguaçu de organizações contrárias à recriação do trecho.

A Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação divulgou uma nota em abril, quando Bolsonaro visitou Foz do Iguaçu para tratar da ideia de reabertura. No documento, a instituição alertou para o impacto de uma mudança abrupta nas condições da região, o que poderia levar à dominância de poucas espécies em detrimento de outras.

Destacou ainda que, com 185 mil hectares, o Parque do Iguaçu é a maior área de mata atlântica de interior ainda existente no Brasil. Abriga 550 espécies de aves, dezenas de répteis e mais de 120 mamíferos e é o único refúgio preservado da onça-pintada no sul do país.

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