Descrição de chapéu Financial Times

As cidades podem se adaptar a uma era de calor extremo?

Centros urbanos de toda a Europa estão buscando soluções, pois as temperaturas recordes do verão ameaçam se tornar um evento anual

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Camilla Hodgson
Atenas | Financial Times

Os antigos gregos foram pioneiros em uma série de inovações para resfriar suas casas durante o verão: plantaram árvores para fornecer sombra natural e projetaram edifícios que limitavam os espaços que seriam totalmente expostos aos raios solares.

Milhares de anos depois, seus descendentes estão recorrendo ao mesmo tipo de ideias para esfriar sua capital, Atenas. Uma das cidades mais quentes da Europa, Atenas é uma expansão urbana densamente construída que sofre um déficit de espaço verde. Os urbanistas estão procurando maneiras de criar mais sombra, tais como alargar as calçadas e plantar árvores.

Bombeiros tentam apagar incêndio próximo a Atenas - Costas Baitas/Reuters

Mas isso gera alguns dilemas modernos nos quais os antigos gregos não precisavam pensar. Em uma reunião no início deste mês em Atenas, com temperaturas externas de 33°C, arquitetos, engenheiros e autoridades municipais avaliaram as consequências de abrir espaço para mais árvores. Para onde iriam todas as vagas de estacionamento? E que largura devem ter as ruas para que ambulâncias possam passar?

Depois de uma semana que salientou a ameaça que o clima extremo representa para a vida urbana moderna, cidades de toda a Europa estão desesperadas para encontrar soluções, grandes e pequenas.

Até este mês, partes do oeste da França, Portugal e Espanha estão em chamas, ao marcarem temperaturas recordes. A temperatura no Reino Unido ultrapassou 40°C pela primeira vez, provocando incêndios florestais e interrompendo o transporte público.

Na região de Atenas, que no ano passado sofreu uma das ondas de calor mais intensas já registradas na cidade, um hospital nos arredores teve que ser esvaziado por causa de incêndios florestais. A modelagem climática mostra que esses tipos de ondas de calor provavelmente se tornarão mais frequentes e mais intensos globalmente.

As apostas são altas, tanto para a saúde pública quanto para a economia. Até 2030, segundo estimativa da consultoria Vivid Economics, somente os Estados Unidos poderão perder em média US$ 200 bilhões por ano com a redução da produtividade dos trabalhadores devido ao estresse térmico. Grande parte disso ocorreria nas áreas urbanas, que abrigam uma proporção crescente da população mundial. Um relatório da ONU feito pelos principais cientistas climáticos do mundo neste ano estimou que até 2050 o "estresse por calor urbano" reduzirá a capacidade de um indivíduo trabalhar em aproximadamente 20% nos meses quentes.

O calor extremo cobre regiões inteiras, mas as cidades o sentem de forma mais aguda devido ao chamado efeito de ilha de calor urbano. Muitos materiais de que são feitos os edifícios e as ruas —como concreto e asfalto— absorvem e retêm a energia dos raios solares, aquecendo o ambiente. O efeito é especialmente pronunciado à noite, quando aumenta a diferença entre a temperatura de uma cidade e a de um espaço verde próximo.

Atenas é uma das várias cidades do mundo que tenta descobrir como enfrentar essa nova era de calor extremo. Sete cidades em quatro continentes, incluindo a capital grega, já nomearam "chefes de aquecimento" para aconselhar as autoridades sobre como atenuar os riscos relacionados ao calor. A rede C40 de prefeitos de quase cem cidades, por sua vez, compartilha dados e melhores práticas sobre como resfriar centros urbanos e torná-los mais resilientes.

Após seguidos verões de calor recorde na Europa, os municípios estão se preparando para agir —desde o planejamento de infraestrutura mais resiliente até a instalação de sistemas de alerta para ajudar o público a entender os perigos associados ao calor.

Reforçar a infraestrutura de uma cidade, no entanto, é um trabalho enorme que custará bilhões. Também é necessário navegar a complicada burocracia do planejamento local —diferentes partes de uma estrada podem ser gerenciadas por autoridades distintas, por exemplo— , e os dois combinados significam que o ritmo da mudança é vagaroso, num momento em que as mudanças climáticas se aceleram.

"Sempre há burocracia e trâmites que tornam as coisas mais lentas", diz o prefeito de Atenas, Kostas Bakoyannis. "Além disso, o fato de estarmos vivendo com o legado da crise econômica... Estamos tentando avançar o mais rápido possível."

Muitos lugares na Europa tiveram que entrar em modo de emergência neste verão para enfrentar incêndios florestais agressivos —incluindo Londres, onde o espetáculo sem precedentes das chamas nas bordas da capital chocou cidadãos e cientistas.

"Os incêndios que vimos [no Reino Unido] são algo novo", diz Thomas Smith, professor assistente de Geografia Ambiental na London School of Economics. "Estamos entrando no reino do que vemos na França, Espanha e Grécia."

Isso requer planejamento antecipado, não apenas reação. "A maneira como estamos lidando com as ondas de calor no momento é essencialmente implementar nossos planos de emergência", diz Nigel Arnell, professor de ciência do sistema climático na Universidade de Reading, no Reino Unido. Em vez disso, as cidades precisam garantir que novas instalações e infraestruturas sejam "projetadas para lidar com os extremos que definitivamente veremos... É uma questão de governo que realmente precisamos resolver."

Transmitindo a mensagem

Em Atenas, a chefe de aquecimento Eleni Myrivili diz que pensa no trabalho como tendo três partes: aumentar a conscientização, preparar-se para o calor extremo e redesenhar a cidade.

Como a Grécia está acostumada com temperaturas altas, "muitas pessoas não levam muito a sério a exposição ao calor", diz Myrivili, que acaba de assumir um novo papel como primeira "chefe global de aquecimento" no Programa de Assentamentos Humanos da ONU, para integrar a questão ao trabalho de desenvolvimento urbano da agência. "Elas não entendem que isso tem sérios efeitos na saúde e é realmente perigoso", diz.

Quanto mais o corpo humano se afastar de sua temperatura central de 37°C, provavelmente mais incomodado ficará. O estresse pelo calor pode resultar em exaustão e tontura, causar convulsões e falência de órgãos. Áreas-chave do cérebro, como as responsáveis pela resolução de problemas, também podem ser prejudicadas pelo superaquecimento.

Uma das recentes iniciativas de conscientização de Atenas —financiada e coprojetada pelo Centro de Resiliência da Fundação Adrienne Arsht-Rockefeller, com sede em Washington— é um novo sistema de categorização e alerta de ondas de calor, que Myrivili descreve como um "divisor de águas".

Os cientistas analisaram duas décadas de dados climáticos de Atenas, como temperatura e umidade, bem como números de mortalidade, a fim de estabelecer quais condições eram mais propensas a causar mortes. Agora eles podem classificar as ondas de calor de 1 a 3, com as mais severas denotando "temperaturas extremas" e "grandes riscos para a saúde".

Da mesma forma, a cidade espanhola de Sevilha lançou um piloto de nomeação de ondas de calor neste verão —semelhante ao antigo sistema de nomear tempestades e furacões. O esquema "permitirá que as autoridades públicas comuniquem melhor os riscos associados ao calor" e reajam de forma mais eficaz, inclusive alertando a população sobre o que está por vir. Como as tempestades são nomeadas em ordem alfabética, de A a Z, Sevilha seguirá o caminho inverso, de Z a A, começando com Zoe, Yago e Xenia.

Nomear ondas de calor "é a grande ferramenta para salvar vidas do calor, é uma grande mudança de política", diz Kathy Baughman McLeod, diretora da Fundação Arsht-Rockefeller, que ajudou a desenvolver o projeto de Sevilha. O sistema chama a atenção para o problema [do calor] e manda um recado de que as autoridades estão "se antecipando".

Essas medidas também forçarão os cientistas a definir com maior precisão quando um período de clima excepcionalmente quente começa e termina, diz Niko Speybroeck, do banco de dados internacional de desastres Em-dat —tarefa que pode ser um desafio maior em relação às ondas de calor do que a outros tipos de desastres, como enchentes.

Essa informação —que nem sempre é coletada e pode ser particularmente irregular em países em desenvolvimento— é crucial, diz ele. Permite que os pesquisadores prevejam e planejem ondas de calor e analisem quais combinações climáticas são mais perigosas. "O registro e a notificação de problemas relacionados à saúde devem ser melhorados, deve haver financiamento dedicado a isso", diz ele.

Construindo para o calor

Em longo prazo, algumas cidades precisarão implementar medidas mais caras se quiserem aumentar a resiliência e evitar que os serviços falhem quando as temperaturas sobem.

No Reino Unido, o calor sem precedentes em julho levou o caos a aeroportos e ferrovias, pois os trilhos de trem do país —que não foram construídos para clima quente— superaqueceram, e o aeroporto de Luton, em Londres, foi forçado a cancelar voos porque o calor fez uma pequena parte da pista se levantar.

As cidades geralmente não são boas em lidar com o "grande quadro sistêmico", diz Arnell. Há um "grande trabalho" para reformar a infraestrutura, diz ele, pois "a maior parte do que temos ainda estará aqui em 30 a 40 anos".

Arrancar dezenas de milhares de quilômetros de trilhos e substituí-los por outros mais resistentes ao calor, no entanto, seria um trabalho enorme, complicado e extremamente caro. Em julho, o secretário de Transporte do Reino Unido, Grant Shapps, alertou que poderá levar "décadas" para tornar o sistema de transporte britânico mais resistente às ondas de calor.

Globalmente, os governos não estão dispostos a fazer esse tipo de investimento. O relatório climático da ONU deste ano diz que cerca de US$ 384 bilhões em "financiamento climático" foram investidos anualmente nas cidades nos últimos anos, cerca de 10% do que era necessário para "desenvolvimento urbano resiliente e baixo em carbono".

A Grã-Bretanha também tem o parque habitacional mais antigo da Europa, com uma em cada cinco moradias construída antes de 1919. Muitas casas residenciais urbanas datam do século 19 e têm mau isolamento térmico e fluxo de ar limitado, dificultando tanto o aquecimento quanto o resfriamento.
O Comitê de Mudanças Climáticas do Reino Unido (CCC na sigla em inglês), que assessora o governo, pediu aos ministros que modernizem os edifícios e isolem adequadamente as casas para ajudar a mantê-las frescas no verão e quentes no inverno.

A tarefa exigiria uma abordagem coordenada e sistemática envolvendo o governo central e os planejadores locais, e o investimento seria substancial —custaria bilhões ao governo todos os anos. Mas o retorno também seria grande: edifícios mais temperados e energeticamente eficientes, que são mais baratos e mais ecológicos, diz o CCC.

A alternativa menos ecológica é o ar-condicionado, ainda raro em edifícios residenciais na Grã-Bretanha, embora mais comum no sul da Europa. No entanto, mesmo antes da crise energética global em espiral, muitos cidadãos idosos em Atenas não podiam se dar ao luxo de usar aparelhos de ar-condicionado, que consomem muita energia em casa, diz Myrivili. "As máquinas aumentam o calor do lado de fora e funcionam com energia poluente", explica. "Não podemos sair disso usando o ar condicionado."

Soma de pequenas coisas

Em vez de grandes compromissos de gastos, os urbanistas estão tomando medidas para tornar as cidades mais suportáveis com pequenas intervenções localmente específicas.

O projeto inteligente, como persianas do lado de fora das janelas, pode reduzir o calor no interior de um prédio. Criar sombra com árvores, toldos ou outros recursos de design pode fazer uma grande diferença no calor de uma rua, assim como adicionar vegetação e água para reduzir o efeito de ilha de calor urbano.

Essas alterações de baixo custo são essenciais em países em desenvolvimento próximos ao equador, onde o calor já intenso está se tornando mais brutal. Eugenia Kargbo, que no ano passado foi nomeada diretora de aquecimento de Freetown, em Serra Leoa, usou toldos leves de policarbonato para cobrir os comerciantes do mercado ao ar livre e planeja mapear o calor na cidade para identificar áreas particularmente quentes.

A prefeita de Freetown, Yvonne Aki-Sawyerr, diz que a nomeação de Kargbo significa que há "alguém focado nesse assunto". Mas a falta de financiamento é um grande obstáculo para alcançar mais que "vitórias rápidas", e o prefeito diz que a cidade recebeu pouco apoio do governo para combater o calor.

Em Atenas, o prefeito também está promovendo mudanças incrementais, incentivando os cidadãos a criar "telhados verdes" cultivando plantas em casa e criando uma dúzia de pequenos parques espalhados pela cidade. "Estamos avançando com uma série de intervenções há muito atrasadas", diz Bakoyannis. "É a soma de pequenas coisas."

No entanto, com ruas congestionadas e pouco espaço verde na cidade, ele sabe o quanto ainda há para fazer. "Acho que nunca se pode dizer que eles estão fazendo o suficiente [sobre o clima]", diz. "É uma batalha contínua... E, para sermos muito claros, perdemos um tempo precioso."

Enquanto isso, a cidade espera reviver uma parte de seu passado para ajudar a mitigar o presente escaldante: o aqueduto subterrâneo de Atenas, que foi concluído por volta de 140 d.C. e foi uma importante fonte de água para o centro da cidade até a década de 1960.

A Eydap, Companhia de Abastecimento de Água e Esgoto de Atenas, espera retomar o uso de 20 poços na cidade e usar a água para fins não potáveis, como irrigar árvores recém-plantadas. Calcula-se que as obras de renovação da rede custarão cerca de 9 milhões de euros, e a companhia espera que os fundos estruturais e de investimento da União Europeia as paguem e estejam concluídas até 2027.

O canal, que ainda tem alguns azulejos romanos originais, tem cerca de 25 quilômetros de extensão e vai de uma região montanhosa próxima até o centro de Atenas. Poucas pessoas conhecem o sistema subterrâneo, diz Giorgos Sachinis, diretor de estratégia e inovação da Eydap, "mas é um símbolo de infraestrutura resiliente".

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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