'Acordo de Paris para a natureza' levanta esperanças e dúvidas sobre biodiversidade

Pacto histórico da ONU visa deter as extinções, conservando 30% da terra e dos oceanos até 2030

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Aimee Williams
Washington | Financial Times

Cientistas e conservacionistas saudaram um acordo histórico fechado pela ONU nesta semana para proteger um terço da terra e do mar do planeta até 2030, mas alertaram que ainda há muito que precisa ser feito para impedir a morte catastrófica do mundo natural.

Alcançado na madrugada da última segunda (19) em Montreal, o pacto acontece no momento em que cientistas soam o alarme sobre a redução generalizada da biodiversidade. Muitos caracterizam a perda de biodiversidade como uma crise que põe em risco as cadeias alimentares e o suprimento de água e exacerba a mudança climática.

Batizado de "Acordo de Paris para a natureza", numa referência ao acordo climático global de 2015, o pacto abrange mais de 20 objetivos, incluindo um compromisso de que até 2030 pelo menos 30% da terra e dos oceanos sejam "efetivamente conservados". Pelo menos 30% dos ecossistemas terrestres e oceânicos degradados devem ser incluídos em programas de "restauração efetiva".

Peixes próximos a coral da Grande Barreira de Corais, na Austrália - Lucas Jackson - 25.out.19/Reuters

"É um passo importante", disse Lina Barrera, da Conservation International.

Mas, apesar do otimismo cauteloso expresso na comunidade científica, muitos que acompanharam as negociações admitiram que o resultado final não foi perfeito.

Diferentemente do acordo de Paris, o novo Marco Global da Biodiversidade não define metas específicas para cada país e é criticado por não incluir linguagem mais forte sobre interromper a extinção. E o pacto não é legalmente vinculante.

A professora de biodiversidade E.J. Milner-Gulland, diretora do departamento de zoologia da Universidade Oxford, disse alguns dos objetivos não foram definidos em termos concretos.

"Se você procurar os detalhes dos objetivos, que são para 2030, verá que eles tendem a ser articulados em linguagem bastante genérica, como ‘incrementar’ a biodiversidade ou ‘assegurar que ela seja sustentável’. Esse tipo de coisa dá margem a muitas dúvidas", disse a docente. "É realmente difícil para os países dizerem ‘o que vou ter que fazer até 2030?’."

Ela acrescentou que, embora as metas ditas 30X30 sejam boas, "elas não vão resolver o problema".

"As evidências científicas deixam muito claro que a única maneira de realmente interromper e reverter a perda de biodiversidade é enfrentar os causas subjacentes da perda de biodiversidade ... e essas causas são o consumo insustentável, as cadeias de fornecimento prejudiciais e o consumo excessivo dos países ricos", disse Milner-Gulland.

Outros levantaram preocupações com objetivos vagos sobre fazer os países assumirem compromissos de acabar com as extinções de espécies antes de 2050.

"Basicamente o acordo é uma versão diluída do ‘business as usual’ quando se trata de combater a extinção de fauna selvagem", disse Tanya Sanerib, diretora jurídica internacional do Centro de Diversidade Biológica.

O órgão científico da ONU sobre a natureza, Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços dos Ecossistemas (IPBES), concluiu em sua avaliação de 2019 que 1 milhão de espécies animais e vegetais estavam em perigo. Também estimou que três quartos das culturas alimentares que dependem da polinização animal estão em risco.

Cientistas alertam que é importante especificar qual área é salvaguardada pelo acordo de 30%.

"Há lugares que sabemos ser mais importantes para sustentar outros sistemas fora dessa área", disse Jennifer Sunday, bióloga marinha na McGill University. "Lugares aonde os animais vão para se reproduzir ou onde sabemos que há nós migratórios importantes numa rede. Nem todas as águas doces terrestres e águas oceânicas são iguais."

Christopher Dunn, diretor-executivo do Jardim Botânico Cornell, disse: "Haverá grupos de trabalho de agora até o fim dos tempos debruçando-se sobre esta questão".

Mas Dunn disse que acordos internacionais sempre contêm algumas concessões e que, embora a ausência de "objetivos bem definidos" seja "um pouco preocupante", o pacto é positivo, em linhas gerais.

O processo de aprovação final do pacto, presidido pela China, foi prejudicado por queixas de vários países africanos sobre o modo como os procedimentos foram realizados.

"O pacto geral acordado foi bom", disse Dunn. "Algumas das organizações que estão preocupadas com a falta de metas espe cíficas –bem, somos nós que estamos fazendo o trabalho, de qualquer maneira, e sabemos o que precisa ser feito. Vamos continuar de qualquer maneira."

Tradução de Clara Allain

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