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Alckmin defende exploração de potássio na Amazônia

Licenciamento no AM foi suspenso pela Justiça por terras a serem exploradas estarem em terra indígena à espera de demarcação

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Manaus

O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB), defendeu em público a exploração da reserva de potássio em território indígena não demarcado e de uso tradicional do povo mura, no Amazonas.

A defesa de Alckmin da mineração na região ocorreu em reunião do CAS (Conselho Administrativo da Suframa - Superintendência da Zona Franca de Manaus) no final de março. Segundo a Justiça Federal do Amazonas, que suspendeu o licenciamento da atividade na área, as terras são de uso dos indígenas há cerca de dois séculos.

No discurso, Alckmin disse que a mina no Amazonas "pode ser um dos maiores investimentos do país" e representa a possibilidade de o Brasil deixar de importar 98% do potássio, usado como fertilizante na produção do agronegócio.

Alckmin acena
O vice-presidente, Geraldo Alckmin, em evento em Brasília no começo desta semana - Gabriela Biló - 2.abr.2023/Folhapress

No mesmo dia, 24 de março, antes de ir a Manaus, o vice-presidente se reuniu com o ministro do Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária), Carlos Fávaro (PSD), para tratar do Plano Nacional de Fertilizantes.

Por nomeação do presidente Lula (PT), Alckmin assumiu a presidência do Confert (Conselho Nacional de Fertilizantes e Nutrição de Plantas). Fávaro também defende a exploração da reserva no município de Autazes (AM). Ambos receberam o presidente da empresa Potássio do Brasil, Adriano Espeschit, no início de março para discutir o projeto.

"O Brasil é o maior exportador de alimentos do mundo. Precisamos de indústria de fertilizantes. Importamos 98% do potássio. E o potássio é Amazonas, é Autazes. Vamos trabalhar com empenho para resolver o problema jurídico", afirmou Alckmin no evento do CAS.

"Não é possível levar cinco anos para discutir se a competência é do Ibama ou do Ipaam [órgão ambiental do governo do Amazonas]", completou.

No discurso, o vice-presidente também associou a mineração à riqueza de municípios.

"Queria destacar uma coisa, sobre a importância da mineração —mineração bem feita, legal, respeitando o meio ambiente. Pergunto para vocês: qual o município mais rico?", disse.

"Não é em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais ou Paraná. O maior PIB per capita do Brasil é em Canaã dos Carajás, no Pará. Mineração. R$ 480 mil PIB per capital ano. Por pessoa, por ano. Você divide por 12, dá R$ 40 mil reais para cada um. Evidente que, infelizmente, não é igual. Mas é impressionante."

Em agosto de 2020, o MPF do Pará recomendou ao Incra apuração sobre compra irregular de lotes da reforma agrária para implantação do projeto de mineração em Canãa dos Carajás.

Após a defesa da mineração puxada por Alckmin, o governador do Amazonas, o bolsonarista Wilson Lima (União Brasil), reproduziu discurso usado em eventos com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

"Precisamos diversificar as atividades da Zona Franca de Manaus e conciliar com os recursos que temos, como o gás natural e o potássio de Autazes. A reserva tem capacidade de fornecer 25% do potássio do Brasil por 30 anos, fora as outras já descobertas na nossa região", afirmou.

Terminal de fertilizantes no porto de Santos - Moacyr Lopes Junior - 25.ago.2014/Folhapress

O senador Omar Aziz (PSD), no mesmo evento, ampliou a defesa da mineração para a legalização da exploração de ouro.

"Eu discordo do presidente Lula em relação à exploração da mineração. Veja o que está acontecendo hoje e não vai parar. Pode prender, pode tocar fogo que não vai acabar. Presidente Alckmin, o Japurá é um rio que tem dois municípios, Maraã e Japurá. Sabe quantos quilos de ouros estão tirando por mês e mandando do Japurá para a Venezuela? 500 quilos", disse.

"Essas riquezas finitas que são retiradas da Amazônia —e não há investimento nenhum para gente, só depredação— poderia muito bem, uma lei sustentável, você poder tirar e ajudar a população que mais precisa no interior."

No governo Bolsonaro, o licenciamento da reserva de potássio de Autazes passou do Ibama para o Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas), o que é contestado pelo MPF-AM. Neste ano, Jaiza Fraxe, juíza da 1ª Vara da Seção Judiciária Federal do Amazonas, determinou que Ibama e Funai que se manifestem sobre o caso e suas eventuais competências.

O Ipaam, órgão ambiental do Amazonas para emissão de licenças, tem como diretor-presidente Juliano Valente, genro do presidente do PT-AM e deputado estadual Sinésio Campos, defensor de mineração, inclusive em terra indígena. No ano passado, Sinésio chegou a declarar que Bolsonaro "estava nisso só há três anos" e ele há mais de duas décadas.

Durante a campanha à Presidência, no ano passado, em entrevista à rádio Difusora do Amazonas, Lula disse ser contrário à mineração na Amazônia, mas que poderia discutir o assunto.

"Eu, sinceramente, não acho que a gente precise fazer mineração na Amazônia, se tiver algum minério que seja imprescindível para o país vamos discutir. Com a sociedade brasileira, com o povo da Amazônia, com o Congresso Nacional e fazer uma coisa da maior seriedade envolvendo a sociedade brasileira. Porque a gente não pode brincar em destruir a Amazônia."

O licenciamento do minério usado em fertilizantes —produtos que passaram por uma crise com a Guerra da Ucrânia— foi suspenso pela Justiça Federal em setembro. A decisão foi confirmada pelo TRF1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região).

As decisões atendem a pedido do MPF do Amazonas e indicam que há provas de que a empresa Potássio do Brasil desenvolve atividades na Terra Indígena Soares/Urucurituba, não demarcada por lentidão da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), que protelou o processo durante o governo Bolsonaro.

A juíza Jaiza Fraxe, na decisão em setembro, com uso de documentos históricos da época da Cabanagem —revolta popular, liderada pelos muras, que defendia a independência da região no período do Império—, aponta que o grupo vive na Terra Indígena Soares/Urucurituba, em Autazes, desde 1838. As comunidades ficam onde a Potássio do Brasil quer explorar o minério.

Procurada pela reportagem, a Potássio do Brasil diz que "todas as futuras operações da empresa estão fora de terras indígenas homologadas e delimitadas".

A empresa afirma ainda que tem projetos de mitigação socioeconômica e ambiental para a região e que se pauta pela sustentabilidade. A companhia diz que estão previstas contrapartidas às populações tradicionais, que, segundo a nota, foram ouvidas antes da concessão da licença prévia.

Questionado sobre as declarações de Alckmin, o Ministério dos Povos Indígenas afirmou, em nota, que qualquer atividade exploratória próxima a territórios indígenas deve se pautar pela escuta aos mesmos, como preconiza a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho).

"Se não houver regulamentação para esta prática, esta é, portanto, considerada atividade ilícita", diz a pasta.

A Funai, por sua vez, diz que a decisão judicial para demarcação da terra indígena já está sendo atendida, com uma equipe em campo neste momento. Após a avaliação na comunidade, segundo a autarquia, serão feitos estudos para delimitação da área.

Também procurado, o MMA (Ministério de Meio Ambiente e Mudança do Clima) afirma que o Ibama analisa a decisão da Justiça Federal sobre a competência do licenciamento "para emitir manifestação em juízo".

Após a publicação do texto, o MDCI (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) afirmou, em nota, que Alckmin "limitou-se a defender uma solução jurídica para o impasse" do licenciamento.

"Uma vez definida a competência, o que ficar decidido nos termos da legislação —a favor ou contra o licenciamento— é o que passará a valer. A segurança jurídica é uma condição indispensável para atrair investimentos, pois gera um ambiente de previsibilidade para os negócios", afirma a pasta.

"O investimento, seja no Amazonas ou em qualquer outro ponto do território nacional, ocorrerá nos termos da lei, e, sobretudo, com respeito ao meio ambiente, aí incluídos, naturalmente, os habitantes originários da região", completa. No evento do CAS, o vice-presidente não citou a questão indígena envolvida em Autazes.

A reportagem também contatou Mapa, Ipaam e MPF-AM para que comentassem o caso, mas não houve resposta.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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