Descrição de chapéu Deutsche Welle mudança climática

Como o dinheiro do Fundo Amazônia está sendo usado?

Entre recursos obtidos e prometidos, verba é equivalente a dois anos e meio do orçamento da pasta do Meio Ambiente

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Bruno Lupion
DW

O governo brasileiro vem pressionando os países ricos a darem mais dinheiro para a proteção da floresta amazônica. Preservar a mata tropical é crucial para reduzir as mudanças climáticas, e há certo consenso na comunidade internacional de que as nações que poluíram mais o planeta têm mais responsabilidade em pagar essa conta.

A questão é como viabilizar isso. Iniciativas globais, como o Fundo Verde do Clima, têm demorado para decolar diante da falta de doações dos países ricos. Esse fundo tem em seu escopo 148 países e até agora autorizou a destinação de US$ 12,8 bilhões (R$ 62 bilhões), o que dá uma média de R$ 419 milhões por país. É pouco.

O Brasil conta desde 2008 com um fundo próprio para atrair doações destinadas à proteção da floresta: o Fundo Amazônia. Seus recursos já alcançaram R$ 5,7 bilhões, e outros R$ 3,4 bilhões já foram prometidos em novas doações, totalizando R$ 9,1 bilhões. Isso equivale a duas vezes e meia o orçamento do Ministério do Meio Ambiente proposto para 2024.

Áreas de pastagem devastada na floresta Amazônica, na região da bacia do rio Tapajós, no estado do Pará
Áreas de pastagem degradada na floresta amazônica, na região da bacia do rio Tapajós, no estado do Pará - Pedro Ladeira - 17.fev.2022/Folhapress

O Fundo Amazônia foi paralisado em 2019 depois que o governo Jair Bolsonaro tentou alterar a sua estrutura de governança, ferindo o estatuto do fundo. Neste ano, ele foi reativado e é uma das apostas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva para financiar a preservação da floresta e o incentivo a atividades produtivas sustentáveis na região.

A gestão do fundo é realizada pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). A DW entrevistou Nabil Kadri, superintendente a área de meio ambiente do BNDES, responsável pela gestão do Fundo Amazônia, para detalhar o cenário atual e projeções futuras do instrumento.

Kadri participou nesta quinta-feira (14) em Berlim de um ciclo de debates sobre a Amazônia organizado pela embaixada brasileira na Alemanha. Uma das prioridades do evento foi reforçar a mensagem de que a proteção da floresta depende da geração de atividades econômicas sustentáveis na região.

De onde vem o dinheiro?

No final de 2022, o Fundo Amazônia alcançou a cifra de R$ 5,7 bilhões. Nessa soma, estão R$ 3,3 bilhões de doações e R$ 2,4 bilhões de rendimentos da aplicação dos recursos não utilizados.

Dos R$ 3,3 bilhões doados, 93,8% vieram do governo da Noruega, 5,7% do governo da Alemanha e 0,5% da Petrobras. As doações são vinculadas à redução do desmatamento no Brasil.

Até agora, o fundo liberou R$ 1,5 bilhão para 102 projetos, e R$ 200 milhões já foram aprovados e estão em fase de desembolso. Portanto, há no momento R$ 4 bilhões sem destinação.

Após a vitória eleitoral de Lula no final de 2022 e a sinalização de que o fundo seria reativado, novas doações foram anunciadas: 35 milhões de euros da Alemanha, US$ 500 milhões dos Estados Unidos, 20 milhões de euros da União Europeia, 80 milhões de libras do Reino Unido, 5 milhões de francos suíços da Suíça e 150 milhões de coroas dinamarquesas da Dinamarca. Essas novas doações anunciadas somam cerca de R$ 3,4 bilhõese ainda não chegaram ao fundo.

Somado o valor hoje disponível no fundo mais as doações recém-anunciadas, seriam R$ 7,4 bilhões disponíveis.

Quais são os planos do governo?

Os recursos do fundo podem ser destinados a projetos realizados por associações civis ou a ações de governos estaduais e do governo federal. Em fevereiro, o BNDES retomou a análise de 14 dos projetos que estavam represados, no valor de R$ 500 milhões, ainda não aprovados.

Mas a principal aposta do governo Lula para acelerar o uso dos recursos é utilizá-los no plano de ação para a prevenção e controle do desmatamento na Amazônia, o PPCDAm, lançado em junho. "Temos uma demanda bastante significativa de apoio ao PPCDAm", disse Kadri.

Uma das ações do PPCDAm é destinar R$ 600 milhões do fundo a municípios hoje campeões de desmatamento que se comprometerem com a redução da derrubada da floresta. Os recursos serão destinados ao longo de 2023, 2024 e 2025, de acordo com a performance de cada município na redução do desmatamento, e deverão ser utilizados em medidas ambientais e de regularização fundiária.

O PCCDAm também prevê usar recursos do fundo para articular a produção sustentável de alimentos na Amazônia ao fornecimento de merenda para escolas públicas da região, entre outras iniciativas.

Uma proposta controversa para o uso do Fundo Amazônia foi feita no final de agosto pelo ministro dos Transportes, Renan Filho: asfaltar um trecho daBR-319, que conecta Manaus a Porto Velho —um projeto que a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, aponta como de "altíssimo" impacto ambiental. Kadri diz que o BNDES ainda não recebeu nenhum projeto nesse sentido e que desconhece o conteúdo da proposta.

Como o fundo já provoca impacto?

A DW selecionou em conjunto com o BNDES cinco projetos do Fundo Amazônia que dão exemplos práticos de como os recursos podem ser utilizados, envolvendo diferentes atores, como povos indígenas, associações de extrativistas, governos estaduais e governo federal.

1) Fortalecimento do Ibama para combater incêndios

A posse do atual presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, em fevereiro, coincidiu com a conclusão de um projeto de nove anos do Fundo Amazônia para a estruturação de um centro do órgão para prevenção e combate a incêndios, o Prevfogo.

No total, o fundo destinou R$ 14,6 milhões ao projeto, o que abrangeu a compra de caminhões adaptados, equipamentos de combate a incêndio e sistemas de comunicação e a construção de um prédio de dois andares com área administrativa, sala de situação, almoxarifado e oficina de veículos, entre outros.

Uma avaliação independente realizada sobre o projeto mostrou, segundo Kadri, que áreas que tiveram o apoio do fundo registraram redução de focos de incêndio superior à de áreas não cobertas pelo projeto, no período de 2013 a 2019.

2) Apoio ao povo indígena ashaninka na produção de polpa de frutas

O povo indígena ashaninka vive na divisa entre o estado do Acre e o Peru. No Brasil, a maioria deles está na Terra Indígena Kampa do Rio Amônea, e tem um histórico de enfrentamento do desmatamento na região.

O projeto destinou R$ 6,6 milhões de 2015 a 2018 para a associação do povo indígena desenvolver sua produção agroflorestal, especialmente de frutas típicas da região, e proteger o território.

Os recursos do fundo financiaram a criação de um viveiro e banco de sementes para a produção de mudas, a elaboração de um plano de um manejo, a construção de instalações para o processamento das sementes e das frutas, a compra de uma barcaça refrigerada para transporte das frutas e a capacitação em marketing e comunicação de membros do povo ashaninka.

"Foi o primeiro projeto de uma associação indígena que teve um contrato assinado diretamente com o BNDES", diz Kadri, que menciona que a venda de polpa de frutas congeladas é hoje uma das principais fontes de renda dos ashaninkas.

3) Melhoria das condições das quebradeiras de coco babaçu

A coleta e quebra do coco babaçu é uma atividade extrativista historicamente realizada por mulheres, organizadas em um movimento interestadual desde a década de 90. O babaçu tem grande versatilidade e resulta em até 20 subprodutos —suas amêndoas podem ser transformadas em farinha, e sua casca pode virar combustíveis.

O projeto receberá R$ 9,2 milhões, dos quais pouco mais da metade já foi desembolsado, para atividades em cidades do Maranhão, Tocantins e Pará.

Os recursos criaram um fundo à parte, gerido pela associação das quebradeiras, que destina verbas a projetos menores, apresentados pela comunidade e selecionados por meio de editais. Esse formato, diz Kadri, permite que iniciativas que não teriam estrutura para obter recursos diretamente do BNDES consigam acessar os recursos do Fundo Amazônia.

O objetivo é melhorar as condições de trabalho e de vida das quebradeiras de coco, com miniusinas para beneficiamento de palha ou extração de óleo.

4) Produção sustentável na Ponta do Rio Abunã

A área do projeto é a tríplice divisa entre Acre, Amazonas e Rondônia, uma região de muitos conflitos agrários e desafios ambientais. Quatro associações locais receberam recursos para desenvolver diversas atividades sustentáveis, como a produção de cupuaçu, açaí, pupunha e óleos vegetais, entre outros.

Foram destinados R$ 6,4 milhões do fundo, de 2015 a 2017, para estruturar unidades de processamento de frutas com máquinas apropriadas, câmaras frias, área de secagem e extração de óleo, por exemplo.

As associações envolvidas desenvolveram uma integração exemplar com cadeias produtivas maiores, diz Kadri, e hoje vendem seus produtos a grandes empresas de cosméticos e alimentos.

5) Combate ao desmatamento no Acre

Neste caso, o Fundo Amazônia apoiou diretamente o governo do Acre para melhorar sua capacidade de reduzir a derrubada de floresta.

Foram R$ 53 milhões, desembolsados até 2019, para a compra de sistemas de monitoramento e controle, treinamento de funcionários para análise de imagens de radar e promoção de práticas sustentáveis.

O projeto também beneficiou o Imac (Instituto do Meio Ambiente do Acre), do governo estadual, com reforma de sua sede e aquisição de mobiliário, computadores e veículos, e envolveu a articulação de diversas secretarias estaduais. "O combate ao desmatamento necessita da coordenação de esforços, e o projeto no Acre demonstrou essa potencialidade", diz Kadri.

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