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Área da BR-319 concentrou 40% das queimadas no Amazonas em período crítico da seca

Estiagem foi usada como instrumento de lobby por pavimentação da rodovia, que liga Manaus a Porto Velho; governo Lula criou grupo de trabalho

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Manaus

O fogo que consumiu a vegetação num ano de seca extrema e que inundou de fumaça cidades da Amazônia –Manaus entre elas– seguiu o curso da BR-319. Monitoramento feito pelo Observatório BR-319 mostra que mais de 40% das queimadas no Amazonas entre agosto e novembro, período crítico da seca, ocorreram em 12 municípios da área de influência da rodovia.

O observatório é uma rede formada por organizações da sociedade civil, pesquisadores e associações indígenas. O monitoramento é feito com base em dados de queimadas sistematizados pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

Entre agosto e novembro, houve 17,1 mil focos de calor no Amazonas. No mesmo período, foram pouco mais de 7.000 queimadas nas 12 cidades que estão na área de influência da BR-319, o que representa uma proporção superior a 40%, conforme dados do monitoramento do observatório.

A rodovia liga Manaus a Porto Velho. Incluída a capital de Rondônia, foram 9.500 focos de calor no período, segundo dados do Inpe.

Fumaça acima da copa das árvores, vista de cima
Fumaça de queimada em Autazes, no Amazonas, durante período de seca - Michael Dantas - 22.set.2023/AFP

Em agosto, setembro e outubro, a quantidade de queimadas em cidades decisivas para as ondas de fumaça em Manaus foi superior aos mesmos meses em 2022. São os casos de Autazes e Careiro. No curso da rodovia estão ainda cidades que lideram as queimadas e frentes de desmatamento todos os anos, como Lábrea e Humaitá, no sul do Amazonas.

O Observatório BR-319 também constatou que unidades de conservação em área de influência da estrada tiveram queimadas em setembro pela primeira vez desde 2010.

A seca extrema na Amazônia em 2023, com chuvas bem abaixo do normal e níveis dos rios com baixas históricas, foi usada como instrumento de lobby pela pavimentação da BR-319, em especial o trecho do meio –uma extensão de 405,7 quilômetros.

A pressão é feita por políticos e empresários com atuação no Amazonas, que foi o estado mais afetado com a consequência das queimadas durante a seca extrema de 2023.

O alvo da pressão é a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva (Rede). Em outubro, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) anunciou em Manaus a criação de um grupo de trabalho para análise do empreendimento e avanço do licenciamento. Em novembro, o governo Lula (PT) criou um grupo formado apenas por representantes do Ministério dos Transportes.

Os estudos para pavimentação da BR-319 foram incluídos no Novo PAC, e o governo diz que as obras só ocorrerão se houver viabilidade ambiental.

Documentos do processo de licenciamento ambiental da rodovia apontaram risco de mais grilagem de terras públicas no curso da estrada em caso de pavimentação, mesmo se houver medidas de mitigação dos impactos da obra.

Os documentos alertaram ainda para o risco de ampliação do desmatamento ilegal, especialmente com a intensificação da exploração criminosa de madeira.

Os apontamentos foram feitos em pareceres técnicos do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e em documentos que compõem o chamado EIA/Rima (estudo e relatório de impacto ambiental), exigido para empreendimentos do tipo.

Em julho de 2022, o então presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, emitiu licença prévia para pavimentação do trecho do meio da BR-319, entre os quilômetros 250 e 655,7.

Bim estava no cargo por indicação do hoje deputado federal Ricardo Salles (PL-SP), ministro do Meio Ambiente no governo Jair Bolsonaro (PL). A licença prévia foi emitida em julho de 2022, a cinco meses de Bolsonaro deixar o poder após derrota nas urnas.

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