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Planeta em Transe Cenários 2024

Petróleo na Amazônia e grandes obras vão impulsionar 'boiadas' de Lula em 2024

Teste de liderança internacional que o Brasil tem à frente vai de encontro com projetos como exploração na Foz do Amazonas

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São Paulo

Lula voltou ao poder atualizando o discurso, mas não o projeto. A tônica de reconstrução da política ambiental pós-Bolsonaro, emplacada no início da gestão, pode vir por água abaixo neste segundo ano de governo, que sinaliza disposição de passar o trator —ou, para usar um termo cunhado pelo bolsonarismo, a "boiada"— e aprovar a qualquer custo a realização grandes obras de infraestrutura carregadas de controvérsias socioambientais.

Enquanto Bolsonaro provocou crises de proporções internacionais ao incentivar o desmatamento na amazônia, Lula pode se ver em embaraços diplomáticos se levar adiante o projeto de exploração petrolífera na bacia Foz do Amazonas sem as necessárias avaliações ambientais.

Em entrevista à Folha, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou ter decidido junto ao Ministério do Meio Ambiente e à Casa Civil que a pesquisa para exploração petrolífera na região siga adiante mesmo sem a AAAS (Avaliação Ambiental de Área Sedimentar) —que havia sido pedida pelo Ibama para a licença ambiental.

A estratégia se aproxima da boiada bolsonarista, caracterizada pela desregulamentação de normas ambientais, ao se apoiar em pareceres jurídicos para derrubar normas de natureza técnica.

Lula sorri e aponta para a frente
Lula durante a Cúpula da Amazônia, em Belém, em agosto - Ricardo Stuckert - 8.ago.2023/Presidência da República via AFP

As AAAS não são previstas por lei, mas por uma portaria interministerial criada em 2012 —sob gestão petista. É axiomática, portanto, a conclusão do parecer da AGU (Advocacia-Geral da União) de que, do ponto de vista jurídico, a avaliação não é exigível.

Assim como Silveira, o ex-ministro do Meio Ambiente do governo Bolsonaro, Ricardo Salles, recorreu a pareceres da AGU antes de decidir pelo afrouxamento de normas ambientais. Em 2020, na mesma gravação em que tornou conhecido o termo "boiada", Salles orientou os colegas ministros sobre a segurança jurídica que os pareceres conferiam às decisões. "É parecer, caneta; parecer, caneta", entoou à época.

O atropelo do rito ambiental —seja na forma de boiada bolsonarista ou trator petista— também ignora as populações que serão afetadas na região. Segundo pesquisa encomendada pela CNN Brasil à Atlas Intel, a população na região da margem equatorial está dividida sobre o potencial da exploração petrolífera.

Para 36%, a Petrobras só deverá ir adiante se tiver as licenças e realizar os estudos de impacto. Outros 26% são favoráveis à exploração, 18% são contrários e 19% não souberam opinar. O risco da exploração petrolífera na região é alto, segundo 39% dos entrevistados.

Após o parecer da AGU ter sido vazado à imprensa em agosto, durante a realização da Cúpula da Amazônia, o ministro de Minas e Energia voltou aos holofotes durante a COP28, conferência do clima da ONU, no fim de novembro, anunciando que o Brasil aderiria à Opep+, grupo expandido da Organização dos Países Exportadores de Petróleo.

Embora negue que tenha sido uma provocação proposital, Silveira afirma que o anúncio serviu como um recado aos países desenvolvidos na COP.

Mas recados que colocam em xeque a integridade socioambiental de regiões críticas para o equilíbrio climático, como a Amazônia, podem causar abalos na diplomacia. O teste de liderança internacional que o Brasil tem à frente em 2024 vai de encontro com a disposição petista de explorar petróleo a qualquer custo na região.

No início deste mês, o mundo chegou a um consenso inédito na COP28 ao decidir transitar dos combustíveis fósseis para as energias renováveis. O Brasil apoiou a decisão, sob a condição de que os países desenvolvidos saiam na frente na transição. Agora, na presidência do G20, o Brasil está incumbido de buscar um consenso sobre essa agenda no grupo —que consome dois terços do petróleo no mundo.

Estão no G20 os países com os maiores planos de expansão de petróleo e gás até 2050 —só os Estados Unidos respondem por um terço dos investimentos planejados no mundo, seguidos de Canadá e Rússia. O grupo também concentra os países com maior capacidade para iniciar a eliminação gradual da dependência de combustíveis fósseis: Estados Unidos, Reino Unido, Austrália e Canadá. Os dados são da Climate Transparency.


Para articular os países do G20 na direção da transição energética e também para aquecer o processo de revisão das metas climáticas até a COP30 —que será presidida pelo Brasil em 2025—, o governo precisará fazer às pressas a lição de casa e elaborar o seu próprio projeto de energia e clima, especialmente se quiser ser levado a sério pelo mundo em sua anunciada "missão 1,5°C".

O Brasil encampou a tarefa de ajustar as novas metas climáticas para a COP30 ao objetivo de conter o aquecimento global em até 1,5°C. Mas, de acordo com o painel do clima da ONU, as explorações de petróleo atuais já são suficientes para ultrapassar esse teto, o que implicaria um compromisso com a eliminação gradual dos fósseis, em vez da abertura de novas frentes de exploração.

Assim como nas gestões petistas anteriores, marcadas por atropelos, como o da licença da usina hidrelétrica de Belo Monte, o impasse entre o projeto desenvolvimentista e as salvaguardas socioambientais deve se repetir em outros projetos do governo ligados aos investimentos do novo PAC.

Além da pavimentação da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho, investimentos em outras estradas previstas no PAC preocupam a ala ambientalista do governo pelo impacto sobre o aumento do desmatamento na amazônia, como pode acontecer no entorno das BR-080, BR-158, BR-242 e BR-364. A construção da Ferrogrão, ferrovia que deve transportar soja de Mato Grosso aos portos de exportação do Pará, causa alerta pelo mesmo motivo.

Outro impacto que deve dificultar licenças é o da retirada de rochas por mais de 30 km do Pedral do Lourenço, no Pará, para a construção da hidrovia Araguaia-Tocantins, em uma região de populações ribeirinhas e pescadores.

Após ter enfraquecido a pasta ambiental no primeiro semestre em negociação com o centrão, e cedido, em agosto, sobre o marco temporal das terras indígenas, o governo agora pode se ver favorecido pelo afrouxamento do licenciamento ambiental, que conta com diferentes projetos tramitando no Congresso.

Em 2024, entre extremos climáticos e outros traumas de desastres socioambientais no país, o maior risco da agenda deve se concentrar em Brasília, onde, entre Parlamento e Executivo, a boiada poderá passear.

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