Descrição de chapéu queimadas mudança climática

Resposta de Lula a seca e fogo esbarra em desarticulação, verba, estrutura e Congresso

Ação federal teve incremento, mas sem mudança substancial; Congresso reduziu orçamento ambiental e tem tramitação lenta de propostas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

O Brasil enfrenta em 2024 uma disparada das queimadas cujos efeitos são vistos e sentidos no ar de várias regiões do país, mas as atuais medidas do governo federal estão aquém do necessário para fazer frente ao problema.

A crise de fogo ocorre em meio à pior seca já registrada no país desde o início da atual série histórica, em 1950, segundo o Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais).

Apesar do incremento orçamentário e estrutural em relação à gestão de Jair Bolsonaro (2018-2022), que promoveu um desmonte no setor, as ações do governo Lula (PT) necessitam de priorização e organização mais robusta do que as apresentadas até agora, além da mobilização de estados, municípios e Congresso, dizem especialistas.

Gado em pastagem em Vila Nova de Samuel, no municipio de Candeias do Jamari (RO) - Lalo de Almeida - 3.set.2024/ Folhapress

A resposta do Executivo em 2024 foi superior à de 2023, mas o manto de fumaça que cobre o céus de várias regiões do Brasil é uma prova a olho nu de que está longe de ser a ideal.

O desmatamento caiu na amazônia e parou de crescer no cerrado, e houve antecipação das ações de prevenção.

Se por um lado o número de brigadistas do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) subiu de 2.109 para 2.255 entre 2023 e 2024, no ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) caiu de 1.415 para 981 —o governo diz que irá repor o déficit por meio de crédito extraordinário.

O primeiro Orçamento proposto por Lula (em 2023, para 2024) cresceu substancialmente em relação ao último apresentado pela gestão Bolsonaro, mas teve parte cortada pelo Congresso.

Com forte atuação da bancada ruralista, que é historicamente oponente da defensora das bandeiras ambientais, o Congresso reduziu a principal verba do Ibama para prevenção e combate às queimadas de R$ 318 milhões para R$ 298 milhões.

Essa verba acabou sendo recuperada no decorrer do ano —segundo o Ministério do Meio Ambiente, a aprovação de crédito extraordinário elevou a verba total de R$ 459 milhões em 2023 para R$ 502 milhões em 2024, e houve mais R$ 55 milhões de suplementação—, mas em patamares que se mostraram insuficientes.

Só em julho o Congresso aprovou o projeto de lei de manejo do fogo, após seis anos de tramitação e três temporadas de queimadas devastadoras. O Congresso também foi o responsável por barrar a implantação, prometida por Lula, da criação de uma autoridade climática, o que mantém a gestão ambiental federal descentralizada e muitas vezes atropelada por prioridades de outras pastas.

A Folha procurou os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), mas não houve resposta.

O próprio presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, disse à Folha em junho, no auge das queimadas no pantanal, que o Brasil não tem, no caso do fogo, uma estrutura à altura da crise climática. Entre outros pontos, ele defendeu a criação de uma frota permanente de aeronaves para combate às queimadas.

O Brasil enfrenta uma situação crítica pelo menos desde junho deste ano. O número de focos de incêndio na amazônia no mês de agosto foi o maior em 14 anos. Por volta das 10h desta segunda-feira (9), São Paulo tinha a pior qualidade de ar entre as metrópoles do mundo todo, de acordo com o site suíço IQAir.

O governo ainda não tomou ação para estimular o aumento da pena contra crimes ambientais, apesar da elevação do número de inquéritos policiais. Até o final de agosto, a Polícia Federal tinha 32 apurações em aberto, número que saltou para 52 na primeira semana de setembro. A punição para o crime de incêndio hoje é de, no máximo, oito anos de prisão.

O Dia do Fogo de 2019 —quando fazendeiros se articularam para queimar a amazônia simultaneamente— não levou a nenhuma responsabilização, e as fazendas voltaram a ter fogo nos anos seguintes.

"Está na hora de usar a força dos outros ministérios, porque é um problema de todos. A Casa Civil precisa editar medidas provisórias e decretos; a Defesa, quando for planejar a manutenção das aeronaves, tem que levar em conta a disponibilidade para o período de seca; a Agricultura tem que começar a fazer campanha contra o desmatamento", diz Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.

"Os alertas estavam aí, e até existiu algum preparo do governo, mas talvez esse contexto mostre para nós que a questão precisa ser elevada a um nível de prioridade muito maior", afirma Cristiane Mazzetti, porta-voz do Greenpeace Brasil.

As ONGs citam, por exemplo, a necessidade de um plano de prevenção que consiga dizer, entre outros pontos, quais ações são necessárias, quanto vão custar e em quanto tempo serão necessárias.

"A resposta melhorou em termos de estrutura e de qualidade da intervenção, de perceber o tamanho do problema. Adiantaram as ações, contrataram mais brigadistas, o governo se mobilizou mais neste ano. Agora, a gente precisa de uma coordenação nacional disso, e os estados precisam entender o tamanho da urgência", diz Astrini.

Estados da Amazônia ainda não proibiram o uso do fogo mesmo diante do recorde de incêndios na região.

A ministra Marina Silva (Meio Ambiente) defende a criação do marco regulatório da emergência climática para dar segurança legal e orçamentária às ações de prevenção e mitigação dos efeitos do clima, mas a medida segue em estudo pelo Planalto, sem definição.

O cientista Carlos Nobre afirma que a gravidade da crise de 2024 não era previsível, mas o governo falhou.

"O governo melhorou, desde 2023, as condições de combater as emergências aos desastres climáticos, mas a recuperação foi modesta em comparação com o desmonte [da gestão anterior]. É necessário investir muito mais em criar os sistemas de adaptação e resiliência", afirma, citando, por exemplo, o fortalecimento de órgãos como o Cemaden.

Governo diz que há articulação e investimento

A Casa Civil destaca que o governo contratou cinco novas aeronaves para o Ibama neste ano, incrementou o orçamento do Ministério do Meio Ambiente e que atua, por meio de salas de situação temporárias, na integração entre diversas pastas no combate aos incêndios e às secas.

"O governo atua desde primeiro de janeiro de 2023 na retomada da política ambiental e climática. São exemplos de coordenação a recuperação do Comitê Interministerial de Mudança do Clima, do Comitê Interministerial de Combate ao Desmatamento, do Fundo Clima e do Fundo Amazônia", disse a pasta, em nota.

O Ministério do Meio Ambiente afirma que o orçamento da pasta foi reforçado, por meio de recomposição e créditos extraordinários, e que haverá contratação de mais brigadistas.

O presidente Lula visitará na manhã de terça (10) comunidades afetadas pela seca no Amazonas. De tarde, se reunirá com prefeitos e anunciará medidas de combate à seca na amazônia, na sede da Suframa (Superintendência da Zona Franca de Manaus).

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.