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Cristiane Gercina é mãe de Luiza e Laura. Apaixonada pelas filhas e por literatura, é jornalista de economia na Folha

Descrição de chapéu Família maternidade

Você treina seu filho para viver sem você?

Crianças colombianas sobreviveram na selva após morte da mãe; precisamos entender que não somos eternas

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São Paulo

Para além de atividades como comer sentado à mesa, usar o banheiro e dormir a noite inteira —que ensinamos a nossas crianças ao longo dos primeiros anos de vida— há muitas outras informações e conhecimentos necessários de serem passados de mãe para filho, de ser humano mais velho para ser humano mais novo, que talvez estejamos deixando para trás.

A jornada de sobrevivência de quatro crianças na floresta amazônica na Colômbia, resgatadas após 40 dias de um acidente aéreo no qual três adultos morreram, incluindo a mãe delas, me tocou.

A grande heroína foi a irmã mais velha, de 13 anos, que conseguiu manter os mais novos com vida utilizando o que aprendeu com a mãe, no dia a dia, no trato com os irmãos. E isso me fez refletir se estamos realmente criando nossos filhos para sobreviverem caso não estejamos presentes.

Desenho feito por Lesly, 13, irmã mais velha que cuidou dos menores por 40 dias na floresta amazônica, na Colômbia; ela retrata o cachorro Wilson, que ajudou a encontrá-los e está desaparecido - Reprodução/@FuerzasMilCol no Twitter

Temos treinado nossas crianças, especialmente nas grandes cidades, para que tenham posicionamento relevante na sociedade, o que é muito importante, mas atividades do dia a dia nem sempre têm feito parte dos ensinamentos de muitas famílias.

Não estar mais aqui não significa necessariamente morrer. Além disso, não estou defendendo um treinamento de sobrevivência na selva, seja ela a natural ou a "selva de pedras". Podemos não estar presentes se precisarmos viajar por algum tempo mais longo, ou se formos acometidas por problemas de saúde que nos impeçam de fazer atividades básicas ou nos levem à internação.

Não gostamos de pensar na finitude humana —especialmente das mães— e ainda encaramos a morte como um tabu. Mas é preciso saber que não somos eternas. Essa questão me pegou muito forte quando, em 2022, precisei passar por duas cirurgias um tanto severas, que levaram 16 pedaços de mim.

Minhas meninas tinham, na época, 10 e 15 anos. Desde então —desde que a possibilidade de não estar mais presente na vida delas se tornou algo muito real mesmo que momentaneamente— tenho não apenas pensado no que é necessário ensinar, mas tratado disso de forma clara em nossas conversas, sem assustá-las.

Saber cozinhar, cuidar das próprias coisas, pensar duas vezes antes de fazer ou dizer algo, respeitar seu corpo e suas escolhas são ensinamentos necessários para a vida delas com ou sem mãe. Mas ter noção da sobrevivência básica vai além.

Não tenho aqui a lista completa e exata do que deveria ser ensinado, mas creio que o mínimo sobre se alimentar, cuidar do corpo e de si, evitar doenças, saber quando comer algo e que tipo de remédio tomar em emergências é essencial. São coisas que aprendemos com nossos antepassados e que precisamos prestar mais atenção se estamos passando para frente.

Não creio que a mãe colombiana tenha treinado as crianças para sua morte. Ela apenas repassou a seus filhos ensinamentos básicos sobre a existência humana, ligados especialmente à natureza.

Além dos quatro pequenos guerreiros, essa mulher deixou uma lição: filhos não são um membro do nosso corpo, embora pareçam representar nosso coração. Eles são seres humanos que merecem viver e precisam ser preparados para a vida, mesmo que seja sem nós mães.

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