Colo de Mãe

Cristiane Gercina é mãe de Luiza e Laura. Apaixonada pelas filhas e por literatura, é jornalista de economia na Folha

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Descrição de chapéu
Família dia das mães

'Foi aquele momento mágico', diz Telma, mãe de Francisco, que subiu rampa com Lula

Assistente social afirma ter ficado sabendo que o filho seria um dos que entregaria a faixa ao presidente uma hora antes da posse

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São Paulo

Há 11 anos, quando Francisco Carlos do Nascimento e Silva nasceu, a assistente social Telma Aparecida do Nascimento Silva, 46, desejou o melhor para ele, mas jamais imaginou que um dia o veria na capa do The New York Times, da Folha de S.Paulo e de vários jornais e portais de notícias do mundo.

Telma é mãe do "menino que subiu a rampa com Lula", como Francisco ficou conhecido ao integrar o grupo de brasileiros que entregou a faixa ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 1º de janeiro, após o ex-presidente Jair Bolsonaro quebrar um rito democrático e sair do país para não passar a faixa ao sucessor.

"Foi aquele momento mágico", afirma ela, que não assistiu a cerimônia ao vivo. Viu apenas por um telão, com demais convidados, no Palácio do Planalto, lugar que jamais pensou estar e onde o filho a colocou. "Eu falava: 'Eu não acredito, eu preciso ver'. E o pessoal do cerimonial falava: 'Mãe, é por uma causa muito nobre que você vai ficar separada dele' e foi realmente por uma causa muito nobre", diz.

Telma Nascimento, mãe do menino Francisco, que subiu a rampa com Lula em 1º de janeiro, em sua casa em Itaquera (zona leste de SP), poucos dias depois da posse - Karime Xavier - 04.jan.23/Folhapress

Francisco é "filho único com cinco irmãos", como Telma costuma dizer para explicar o fato de que ele é seu filho único, mas o menino tem irmãos do primeiro casamento do pai. Mãe aos 35 anos, Telma se lembra de cada detalhe da gravidez, que classifica como "tranquila", e do parto, feito às pressas por conta da elevação da pressão e do risco de eclâmpsia.

"É aquela coisa, né? Mãe velha", brinca. As complicações do parto, os riscos trazidos pela idade e as dificuldades de cuidados por ser uma mãe que sempre trabalhou fora a fizeram repensar o desejo de ter mais filhos.

Os cuidados com Francisco são divididos entre ela, o marido, Francisco Carlos da Silva, 59, e a mãe dela, Selma Aparecida do Nascimento, 71, que mudou a vida por causa do neto. Mudou de bairro, de cidade e dedica suas tardes a levar Francisco aos treinos de natação. O menino é campeão pelo Corinthians, clube pelo qual treina há alguns anos.

"Foi a maior emoção da minha vida", conta a avó, que ficou sabendo sobre a participação de Francisco na posse, na véspera, mas, assim como Telma, não sabia detalhes do que ocorreria até pouco minutos antes da cerimônia. "Eu só tenho ele de neto, é minha vida."

"Eu não podia falar, porque pediram sigilo total", diz Telma, que passou o Réveillon tensa, em Brasília (DF), ao lado de amigos. As passagens para a posse haviam sido compradas com meses de antecedência, sem planejamento algum sobre a participação do filho, mas com a certeza de que assistiria Lula subir a rampa do Palácio do Planalto pela terceira vez.

"Fui de avião, já tinha comprado faz tempo, já tinha reservado hotel. Comprei antes do primeiro turno. Eu falei: 'não posso perder essa posse', e explicava para o Francisco da importância do momento."

Mulher negra em pé, de camiseta laranja com listras pretas, coloca uma medalha em seu filho Francisco, sentado em uma poltrona branca. O menino é negro como a mãe. Ao lado dele há uma cama, com edredom vermelho. Ao lado dela, um guarda-roupa de madeira. A parede do quarto é azul.
Telma Nascimento, em sua casa em Itaquera (zona leste de SP), coloca medalhas em seu filho Francisco, menino que subiu a rampa com Lula - Karime Xavier - 04.jan.23/ Folhapress

A carta que mudou tudo

No início de dezembro de 2022, Telma, Francisco e seu marido sabiam apenas que iriam para Brasília, mas não imaginavam que o filho poderia participar da posse. Até que um evento de catadores, do qual Lula participou, na capital paulista, foi o que fez tudo mudar.

A assistente social recebeu um convite para ir ao encontro e perguntou se podia levar o filho, porque ele era um fã mirim do presidente. Conseguiu o segundo convite para o menino, que escreveu uma carta a Lula.

"Na cartinha, eu escrevi que as crianças acreditam muito nele e que que gosto muito dele, que eu já fui à Curitiba gritar: 'Bom dia, presidente Lula', já fui ver ele jogar futebol no MST. Eu coloquei que eu iria a Brasília de qualquer jeito", diz Francisco.

Antes do evento, Telma tratou de baixar as expectativas do filho, explicando a ele que talvez não fosse possível entregar a tal carta, que continha adesivos do Corinthians e a frase: "Vai, Corinthians", para mostrar ao presidente que os dois torcem pelo mesmo time.

No dia do encontro, ao chegar no local, Francisco foi convidado para integrar um grupo de crianças que faria uma apresentação para Lula, mas, devido a atraso, a apresentação foi cancelada. Telma chegou a pedir a seguranças que entregassem a carta ao presidente, mas não conseguiu.

No entanto, Francisco, quando teve oportunidade de subir ao palco durante os discursos, tocou nos ombros de Lula e entregou ele mesmo o papel. O presidente leu enquanto ainda estava sentado, aguardando outros participantes discursarem, e, depois, abraçou Francisco e disse a ele para que o encontrasse na posse, pois queria lhe dar um outro abraço, desta vez como presidente empossado.

"Lula pediu para falarmos com alguém em Brasília no dia da posse, mas como procura alguém em Brasília com aquela multidão? Do jeito que estava a segurança, a gente não criou expectativa por conta disso, porque ia ser muita gente. Aí nós viajamos dia 28."

Os dias que antecederam a posse

Embora não tenha criado expectativas, Telma levou para a viagem a Brasília duas roupas especiais para o filho: uma camiseta do MST e a camisa xadrez azul que ele utilizou na posse. "Eu fiquei o tempo todo falando para ele da posse do Lula, do momento político que nós estávamos vivendo, mostrei vídeos da outra posse, de como tinha sido, e expliquei o motivo de a gente precisar ir".

Um dia antes da viagem, em 27 de dezembro, a mãe de Francisco foi procurada pela assessoria da primeira-dama Janja Lula da Silva. "A assessoria da Janja nos procurou e falou que o Lula realmente queria dar esse abraço no Francisco", conta.

Até então, na visão dos pais, o menino era apenas mais um convidado. Como a assessoria não explicou detalhes, Telma e o marido não sabiam como iriam entregar o Francisco a alguém para que ele fosse até a cerimônia da posse. A comunicação era feita aos poucos.

No dia 29 de dezembro, novo contato. Um convite foi enviado, com informações de que a família participaria da cerimônia e teria acesso ao Palácio do Planalto. "Aí a gente já ficou radiante". Nesta mesma comunicação, havia orientações para que, no dia da posse, estivessem no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), onde funcionou o governo de transição.

Em 31 de dezembro, último dia do ano, Telma foi contatada novamente. "Ela [a assessora] ligou e falou que iria dar o endereço de onde iríamos, que não seria mais o centro cultural, mas um hotel. Eles demoravam muito de um contato para o outro", diz ela, que passou a noite de Réveillon tensa.

Na ocasião, já sabia que o filho iria subir a rampa, mas não podia contar a ninguém, nem para a própria mãe. E também não imaginava o que ocorreria no dia 1º, quando, além de subir a rampa ao lado do presidente, Francisco foi um dos cidadãos que passou a faixa presidencial a Lula.

O dia da posse

No dia 1º de janeiro, no horário marcado, a família se dirigiu para o hotel indicado pela assessoria presidencial. "Quando chegamos, eu vi o Raoni [cacique Raoni]. Aí eu fiquei muito feliz. Falei: 'Acabou o segredo, é o Raoni que vai passar a faixa para o presidente', porque não há nada mais significativo", conta.

Depois desse encontro, todos os oito participantes foram para o Palácio do Planalto. "Fomos para o Planalto e entramos em uma sala reservada, só os oitos e seus familiares, e foi aí que eles disseram realmente o que iria acontecer: 'Vocês oito que estão aqui, vocês vão representar a população e vocês oito vão entregar a faixa'", diz ela.

As orientações seguiram: "Vocês vão passar a faixa de mão em mão até chegar no último e o último vai colocar. Francisco vai ser o primeiro da ponta, vai pegar a faixa e vai passando até chegar na Aline. E a Aline coloca a faixa no presidente', eles falaram. Isso foi uma hora antes", afirma.

"Eu estava muito nervosa. Meu marido só chorou. Eu conversava com ele [Francisco], e meu marido chorava. Eu falava para ele: 'olha Francisco, vai acontecer uma coisa muito importante, agora você vai fazer parte disso", diz.

"Quando seus netos, seus bisnetos, qualquer pessoa que estudar história vai entender que você foi o menino que estava presente num momento da posse de um presidente, o momento em que o presidente anterior não passou a faixa. Todo mundo vai lembrar isso na vida. Todo mundo vai falar disso, você vai estudar isso na escola, seus filhos vão estudar, seus netos. Então é um momento muito importante, você está fazendo parte dessa história."

Quando seus netos, seus bisnetos, qualquer pessoa que estudar história vai entender que você foi o menino que estava presente num momento da posse de um presidente

Telma Nascimento

mãe de Francisco Carlos Nascimento Silva, que subiu a rampa com Lula

Francisco separou-se dos pais, que o assistiram de longe. O menino havia sido orientado a subir a rampa do Planalto em fila indiana, atrás de Lula e Janja, e do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e sua esposa, Lu Alckmin. Mas Lula quebrou o protocolo, segurou Francisco pela mão, e subiram lado a lado.

O presidente Lula, com a primeira dama Janja, o vice-presidente Geraldo Alckmin e sua esposa Lu Alckmin, na subida da rampa do palácio do Planalto, e representantes do povo brasileiro, durante cerimônia de posse à presidência da República - Eduardo Anizelli - 01.jan.23/Folhapress

Ao subir a rampa, depois de passar a faixa, Francisco, como Lula, ergueu a mão e acenou, em foto que estampou portais de notícias ainda no dia 1º de janeiro. Como uma criança como outra qualquer, que brinca nas ruas da periferia, estuda, tem amigos lulistas e bolsonaristas, diz que não calculou seus gestos. "Eu só vi que todo mundo estava dando tchau, eu dei tchau também", diz.

Posse do presidente Lula; ao lado de Francisco e demais participantes da cerimônia de posse, o presidente ergue as mãos e acena; o menino faz o mesmo gesto - Ricardo Stuckert - 01.jan.23/Divulgação

Ele conta que, ao segurar a faixa, um pensamento lhe veio à cabeça: "Quando eu segurei a faixa, eu percebi que eu estava segurando o poder de um presidente", diz. Mas, sem pensar novamente na cerimônia, fez o seu papel. "Aí eu só entreguei."

No dia seguinte, além de ver o filho em capas de jornais. Telma passou a atender jornalistas e, assim como o pai, intermediar e acompanhar entrevistas. Francisco ganhou o direito de ter conta em redes sociais, que sempre quis e nunca teve.

Sobre o que sentiu e sente, Telma resume: "Eu sou assistente social, sempre trabalhei na área social, e a gente vê muito clara a diferença de um governo para o outro, a gente vê o desmonte que foi o outro governo. Então é impossível não apoiar o Lula. Reconheço que eu sou lulista. Mas é isso, a esperança é outra coisa."

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