Magro e anguloso, parecia esculpido por Giacometti. Um amigo o definiu como Águia Asteca, por conta dos hipnotizantes olhos azuis e do nariz curvo. Tinha uma altura só comparável à própria timidez. A estatura moral também impressionava. Assim era Samuel Beckett.

Gostava de uísque irlandês e cerveja. No leito de morte, uma de suas principais preocupações era garantir o estoque de bebidas. Faz lembrar a história de outro escritor irlandês, Flann O'Brien. Já nas últimas, recebeu visita no hospital, que trouxe uma garrafa escondida. Ao ouvir o gelo no copo, O'Brien gritou, exasperado: "Não, assim você vai afogar meu uísque!".

Beckett começou a beber cedo. Sua taxa de jacas pisadas aumentou quando foi a Paris e passou a andar com Joyce. Tomou uma lendária carraspana no lançamento da edição francesa de "Ulisses". Tinha o hábito de pegar no copo depois das cinco da tarde, nunca antes. Esperava Godot pontualmente.

Lutou pela Resistência Francesa na Segunda Guerra, cumprindo missões perigosas. E viveu momentos de tédio absoluto ao ter de se esconder na adega de Nathalie Sarraute depois que um padre o dedurou para os nazistas.

Era irredutível quanto à sua obra. Um de seus parceiros de bebedeira, o ator Peter O'Toole, também filho do Eire, por parte de pai, quis filmar "Esperando Godot". Não houve uísque que convencesse o Nobel de 1969.

Só de falar sobre seus livros, peças e projetos ficava incomodado, por modéstia ou reserva. "Em último caso, depois da terceira garrafa e diante de um amigo indulgente", permitia-se discutir um aspecto ou outro.

Harold Pinter era mais que indulgente, tinha devoção. Certa vez, Beckett o levou de bar em bar pela madrugada parisiense, correndo no seu velho Citroën. Pinter foi a nocaute, só se recuperando graças ao bicarbonato de sódio que o autor de "Malone Morre" comprou na única farmácia aberta.

Também em Paris, Beckett visitou a conterrânea Edna O'Brien. Uma ostra havia deixado a escritora prostrada num quarto de hotel. Dessa vez, o remédio foi uma garrafinha de uísque que o pai de Estragon e Vladimir, com sua elegância lacônica, tirou do frigobar.

Nasceu em 1906, neste dia 13, como outro escritor irlandês (do norte) a ganhar o Nobel: Seamus Heaney, 33 anos mais novo. Poeta dos pântanos, Heaney também dedicava-se com zelo à arte de entornar taças e canecos —como grande parte de seus conterrâneos, era um homem das tavernas.

Sua bebida predileta era o sloe gin, espécie de licor de abrunho (sloe), uma frutinha azul-escura que nasce em arbustos espinhosos de cinco metros de altura. A base é o gim do nome. Heaney tem um poema em que descreve o preparo caseiro da bebida: "o tempo claro do zimbro/ escureceu no inverno/ lançando abrunhos ao gim/ ela selou o pote de vidro".

(O abrunho é colhido no frio e infusionado no gim por pelo menos três meses.)

O poema continua: "quando abri a tampa/ subiu o cheiro obscuro/ da ácida placidez do arbusto/ invadindo a despensa/ experimentei um gole/ e senti o golpe certeiro/ e inflamado/ de uma Betelgeuse".

Como o sloe gin é escasso por aqui, sugiro misturar grapa com grenadine. Mas é por sua conta e risco. "Se falhar, falhe melhor."

SLOE GIN FIZZ

60 ml de sloe gin

25 ml de suco de limão siciliano

15 ml de xarope de açúcar

30 ml de água com gás ou champanhe

Bata os três primeiros ingredientes com gelo e coe para um copo highball. Complete com a água com gás ou champanhe e uma fatia de limão siciliano.