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Médico infectologista, é professor titular do departamento de moléstias infecciosas e parasitárias da Faculdade de Medicina da USP e pesquisador na mesma universidade.

O perigoso eclipse da pandemia

Por que todo cuidado é pouco ao implementar campanhas de vacinação

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Estamos testemunhando um grande número de boas notícias sobre a eficácia das candidatas à vacina contra a Covid-19 em seus estudos de fase 3, que mostram a porcentagem de proteção contra o desenvolvimento da doença e também consolidam os dados de segurança de cada imunizante.

De fato, os resultados são melhores do que se esperava —embora não tenhamos os detalhes de cada estudo, uma vez que tais informações ainda se restringem a notas resumidas à imprensa. Até agora, a vacina da Pfizer mostrou 95% de proteção, a da Moderna, 94,1%, a da Gamaleya, 92%, e a da AstraZeneca chegou a 90%. Nem os mais otimistas aguardavam proteção tão alta.

Os resultados de estudos com outras vacinas, especialmente o da Coronavac, grande aposta do Instituto Butantan, são ansiosamente aguardados.

Também assistimos ao grande embate político e midiático em torno do tema. A interpretação dos resultados, dificuldades de acesso, obstáculos de cada estratégia de vacinação, bem como o tempo para implementação das campanhas e discussão sobre as prioridades. Enfim, as questões em torno da futura vacina são muito complexas.

Há outro grande problema: a percepção de que as vacinas serão capazes de resolver tudo. É possível capturar, nas atitudes de muitas pessoas, a sensação de que o pior já está passando e que logo voltaremos à normalidade. Uma sensação de conforto que não corresponde à atual realidade.

É preciso entender que, mesmo que se comece a vacinar hoje, serão necessários meses até que ocorra queda do número de casos e mortes. Meses, não dias ou semanas. É aqui que se esconde uma armadilha.

O relaxamento das medidas que diminuem a transmissão — como distanciamento social, testagem e isolamento de infectados, uso de máscaras e higiene pessoal — pode levar ao aumento da circulação do vírus, com enorme impacto subsequente sobre os serviços de saúde. Tal relaxamento pode ter sido impulsionado pela fadiga mas também pela sensação prematura de segurança, que vem sendo veiculada por muitas das notícias atuais sobre as vacinas. Uma conjuntura que pode ser explosiva.

aumento do número de casos e mortes pela Covid-19 desde a segunda semana de novembro. Trata-se de um fenômeno que está se generalizando pelo país, apesar das diferenças entre os estados.

Trabalhar em hospitais na cidade de São Paulo é como ter acesso a diferentes telas que demonstram, concomitantemente, uma cena mais ampla da crise. São pessoas doentes chegando de todos os lugares. Muitos são casos de extrema gravidade, buscando desesperadamente assistência, pois o sistema de saúde de onde vivem já está saturado. Famílias inteiras, por vezes grupos de amigos, comparecem aos hospitais da capital, após adquirir a infecção em festas, churrascos e reuniões informais aqui ou fora da cidade.

Não nos deixemos enganar: o período de eclipse entre o anúncio de uma vacina e o alcance da devida proteção populacional deve demorar meses e é esse justamente o período em que pode haver efervescência na transmissão.

Ainda é importante o esforço na contenção da Covid-19. As campanhas de vacinação, por sua vez, devem moderar as expectativas e o real alcance de resultados, nas diferentes fases. A população deve entender que a crise ainda não se resolveu. Do contrário, teremos um período ainda mais sombrio da pandemia.

Sigamos acreditando com otimismo nas conquistas da ciência, mas com as perspectivas das limitações que um mundo com acentuadas iniquidades nos impõe.

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