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Repórter especializada em economia, é formada em ciências sociais pela USP e em direito pelo Mackenzie. Foi ombudsman da Folha de maio de 2019 a maio de 2021.

Sobre crimes sexuais invisíveis

Causa estranheza que alguns casos não apareçam na imprensa em forma de notícia

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Em dois artigos publicados pela Folha nesta semana, a advogada Luciana Temer e a colunista do jornal Djamila Ribeiro abordaram o mesmo tema: uma reportagem longa e detalhada da Agência Pública sobre décadas de acusações de exploração sexual envolvendo o empresário Samuel Klein, o fundador das Casas Bahia, morto aos 91 anos em 2014.

Não fossem os textos das duas mulheres —que falam sobre os silêncios que encobrem crimes com essas características —, o leitor da Folha talvez nem tivesse conhecimento das gravíssimas acusações.

Publicada na quarta-feira (15), a reportagem da Agência Pública diz que Samuel Klein teria, durante décadas, mantido um esquema de aliciamento também de menores para a prática de exploração sexual, inclusive dentro da sede da empresa, em São Caetano do Sul (SP).

Em troca dos encontros, Klein ofereceria dinheiro e outros presentes, de cestas básicas a carros, passando por produtos das lojas da varejista.

Diretor, editor e repórter da Agência Pública, Thiago Domenici conta à coluna que a apuração durou quatro meses e foi tocada por seis repórteres, a partir de uma dica recebida sobre a história de Saul Klein, o filho de Samuel acusado de crimes sexuais por mais de 30 mulheres.

Curiosamente, as suspeitas sobre o filho, negadas por seus advogados, foram reveladas pela Folha, em reportagem de Mônica Bergamo publicada em dezembro de 2020.

O diretor da Pública diz que, em poucos dias, encontraram mais de dez processos contra Samuel Klein por danos morais em razão de abusos sexuais. Segundo ele, se todas as mulheres procuradas pela Pública tivessem topado falar, seriam ao menos 30 depoimentos para averiguar. Foram dez, sendo que três delas concordaram em ter o nome divulgado.

No total, 35 pessoas foram ouvidas, entre supostas vítimas, advogados, ex-funcionários, vizinhos e até taxista.

Além de processos judiciais e inquéritos policiais, há documentos, fotos e vídeos de festas, bem como gravações em áudio, que englobam fatos ocorridos pelo menos entre 1989 e 2010 (com Klein já perto dos 90 anos).

A despeito de grande circulação em redes sociais, repercussão em veículos como Nexo, El País e revistas como Marie Claire e Claudia, além de artigos de opinião publicados (todos escritos por mulheres, segundo Domenici), grandes veículos ignoraram a história.

Ao contrário do que costuma acontecer em casos dessa dimensão, a grande imprensa não investigou, não repercutiu nem republicou o material.

“Dos grandes veículos, incluindo canais de televisão, ninguém falou do assunto até o momento [23 de abril] na sua cobertura diária. Na nossa percepção, a revelação não ganhou repercussão nacional pela falta de cobertura noticiosa”, diz o diretor da Pública.

No caso da Folha, a postura chama ainda mais a atenção porque o jornal tem uma parceria com a Agência Pública e, se quisesse, poderia ter publicado a íntegra da reportagem.

Roberto Dias, secretário de Redação, diz que considera de interesse público as informações relatadas pela Agência Pública. “Debatemos o caso e decidimos efetuar apuração própria sobre esse assunto, diante das possíveis imputações criminais envolvidas.”

Porém, em uma busca rápida por reportagens da Pública na Folha, é possível encontrar textos da agência que envolviam, inclusive, imputações criminais.

Uma das matérias, publicada em agosto de 2020, revelava uma série de abusos sexuais de crianças em Minas Gerais.

Domenici afirma que a Pública estava com a publicação acertada com a Folha —uma versão reduzida que sairia na semana passada. Ao final, receberam a notícia de que o texto não seria publicado sob a alegação de que foi uma decisão editorial. “Ficamos sem entender”, diz o jornalista.

Há mais coisas incompreensíveis. Casos como esse parecem envolver engrenagens que operam por anos sem que seus responsáveis sejam incomodados —nem pela polícia nem pela imprensa.

O suposto esquema de exploração sexual descortinado pela Pública corria em paralelo, muitas vezes dependente do negócio principal. É estranho que caso tão bem apurado só apareça na Folha em artigos de opinião, ou seja, não exista em forma de notícia. Republicar a íntegra de um caso como esse pode ser uma escolha. Incluí-lo na cobertura noticiosa é uma obrigação.

Em resposta à Pública, a Via Varejo, empresa que controla a marca Casas Bahia, esclareceu que a família Klein nunca exerceu qualquer papel de controle na holding constituída em 2011 para gerir as marcas Casas Bahia, Pontofrio, Extra.com.br e Bartira. A família Klein lamentou que o patriarca não esteja vivo para se defender das acusações mencionadas. Sobre dois processos em andamento, a família disse que eles correm em segredo de Justiça e que as decisões serão acatadas.

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