Flavia Lima

Repórter especializada em economia, é formada em ciências sociais pela USP e em direito pelo Mackenzie. Foi ombudsman da Folha de maio de 2019 a maio de 2021.

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Flavia Lima

Quando a Folha arruína o café da manhã

Falha na entrega do jornal afeta responsáveis por boa parte da receita com circulação

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Na quarta-feira (7) à noite, o presidente Jair Bolsonaro foi ovacionado por um punhado de empresários em um jantar em São Paulo. Após dias anunciando o evento, o jornal penou um pouco para reproduzir o quadro geral do encontro, o que pode ser mais um indício de que a imprensa enfrenta dificuldades na apuração de tudo o que envolve o governo.

Ilustração em preto e branco de um jornal enrolado e duas garrafas brancas na frente de uma porta entreaberta
Carvall/Folhapress

Alguns leitores da Folha, no entanto, não tomaram conhecimento do ocorrido no dia seguinte pela manhã, como de costume, nem puderam avaliar a qualidade da cobertura, pois não receberam o jornal em sua versão impressa.

"Sou assinante da Folha e tenho tido problemas com a entrega. Pior, em dois dias seguidos. Ontem (quarta) e hoje (quinta). Em tempos normais isso já não se justifica. Nestes tempos em que a reclusão se faz necessária, ter um jornal para distração é de suma importância", escreveu um deles.

Ainda que as atribuições da função de ombudsman se concentrem nas questões editoriais, mensagens sobre falhas na entrega do jornal são encaminhadas e, sou testemunha, devidamente respondidas.

Nas últimas semanas, os comentários pareceram mais volumosos, além de mais contundentes, vindos de leitores que não abrem mão de ter acesso à informação no formato impresso em um período no qual, ao menos para uma parte deles, sobretudo os mais velhos, o tempo em casa é maior.

Hoje, se a maior parte das cerca de 338 mil assinaturas da Folha são digitais, há cerca de 70 mil assinantes da versão impressa espalhados pelo país.

Para que o exemplar chegue à mão do entregador e dali à porta da casa do leitor, existe uma logística que, se já era complexa, com a pandemia enfrenta obstáculos adicionais.

A Folha e o Agora são impressos na gráfica da empresa, que fica em Tamboré, a 40 quilômetros da cidade de São Paulo.

É de lá que saem os carros em direção ao aeroporto com as edições que serão entregues no Norte e Nordeste, além de Rio Grande do Sul e Brasília. Outra leva segue em 18 caminhões para pontos de distribuição em quase todo o Sudeste, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul.

Para atender a essa logística, são produzidas duas edições do jornal: uma que vai para a gráfica mais cedo e por volta das 22h segue para o interior de São Paulo e outros estados. E outra que, por volta das 23h30, começa a ser distribuída para a Grande São Paulo, Baixada Santista e Brasília.

Entre um fechamento e outro, atualizações são feitas pela Redação e é isso o que explica diferenças de conteúdo entre edições impressas da Folha que, algumas vezes, surpreendem o leitor.

A pandemia afetou essa dinâmica. Há cerca de um ano, a entrega da edição impressa foi temporariamente suspensa para algumas regiões em razão de mudanças no valor das tarifas cobradas dos jornais pelas companhias aéreas, o que foi renegociado e normalizado.

Porém a redução de voos diários ainda afeta algumas rotas, o que segue causando atrasos na distribuição de jornais.

Na parte terrestre, a área de circulação da Folha diz que os problemas são pontuais: como os caminhões levam de 2.000 a 3.000 jornais cada um, qualquer imprevisto —como um pneu furado ou mesmo trânsito —pode atingir a entrega do jornal em uma região inteira.

Leitores dizem, porém, que os problemas são mais duradouros. "São costumeiros atrasos ou ausência de entrega, o que resulta no mesmo, afinal, a notícia de um dia que chega após o almoço do outro dia de nada mais serve", disse leitor de Uberlândia, coberto de razão.

Em 2000, a Folha contava, em média, com 440.600 assinantes apenas no formato impresso. Desde então, mais de 370.000 assinaturas da edição de papel se foram —o que supera a circulação atual da Folha.

Em entrevista publicada em fevereiro, na comemoração dos 100 anos do jornal, o publisher da Folha, Luiz Frias, disse que, do total de assinaturas vendidas pelo jornal em 2020, 80% foram digitais. No fim do ano passado, os assinantes digitais representavam mais de dois terços da carteira e poucos pontos percentuais abaixo dos 40% em receita. A meta em dois anos, disse, é ter metade da receita de circulação vinda do digital.

Cumprido o objetivo, os exemplares impressos ainda responderão pela outra metade da receita oriunda da circulação, o que é significativo.

A explicação para isso não é difícil: diante dos custos com impressão e distribuição, a assinatura do jornal impresso custa R$ 129,90 por mês (valor que pode ser maior, conforme a região), enquanto o preço da assinatura digital da Folha é de R$ 29,90.

Isso significa dizer que o futuro do jornal, a curto e médio prazo, repousa no assinante, seja ele da versão digital ou da impressa —que perde do online em rapidez, mas ganha no ritmo diferente de leitura e reflexão, sobretudo para quem lê mais que as manchetes.

Embora incompreensível para um número cada vez maior de pessoas, abrir o jornal no café da manhã ainda é um dos grandes prazeres do dia para muitos, o que falhas na entrega, ainda que ocasionais, têm o poder de arruinar.

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