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Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

Direita reacionária é ameaça à religião mais séria do que um programa de humor

Há uma moda crescente (e crescentemente repulsiva) de gente que usa e abusa do cristianismo nas suas guerrilhas políticas.

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Arrastado pela polêmica, dediquei 50 minutos do meu tempo ao especial de Natal da Porta dos Fundos. Tempo perdido, com pena minha: já vi melhor por aquelas bandas. O filme pareceu-me essencialmente preguiçoso: fracas piadas e uma evidente vontade de chocar a plateia mais ortodoxa.
 
Falo da plateia cristã porque o heroísmo do grupo tem limites: quando Jesus, no seu transe espiritual, encontra as diferentes divindades (Buda, Shiva etc.), Alá prima pela ausência.
 
Entendo esse momento de meta-humor, do gênero eu-sei-que-você-sabe-que-eu-sei que brincar com o Islã é o desafio supremo, porém letal. Mas me pareceu —como dizer?— uma saída literalmente pela porta dos fundos.
 
Acontece que os méritos artísticos empalidecem com as reações furiosas e criminosas de que o grupo foi alvo.

 
Espero que a justiça seja implacável com os autores do ataque à sede do programa. Não apenas porque eles representam uma ameaça à liberdade de expressão, que nenhum Estado de Direito pode tolerar; mas também porque representam uma moda crescente (e crescentemente repulsiva) de gente de direita que usa e abusa da religião cristã nas suas guerrilhas políticas.
 
O Guardian dedicou um editorial ao assunto que eu subscrevo sem esforço: o que parece definir a direita reacionária que floresce nos quatro cantos do globo é a manipulação da religião para cumprir programas iliberais.
 
O premiê da Hungria é talvez o caso mais gritante: a sua “democracia iliberal”, de que ele tanto se orgulha, representa uma “liberdade cristã”, ainda nas palavras de Viktor Orbán. Como se a mensagem central e universal do cristianismo fosse um grito de guerra pela exclusão dos mais pobres e deserdados deste mundo.
 
O mesmo acontece com Matteo Salvini, na Itália, para quem o cristianismo é uma bandeira nacionalista e identitária na luta contra o invasor muçulmano. Que o Vaticano tenha condenado as prepotências do sr. Salvini, eis um pormenor que não arrefeceu a sua retórica.
 
Disse e repito: o programa da direita reacionária é uma ameaça à direita democrática, pluralista e liberal. Mas é também uma ameaça à religião cristã —um roubo e uma degradação dos seus valores e princípios— ​bastante mais séria do que um programa de humor.
 
A primeira tentação da política, desde tempos imemoriais, foi sempre a de tentar reverter o mandamento bíblico de dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus —para transformar César em Deus.
 
É uma história que nunca teve final feliz. Para nenhuma das partes.

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