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Economista, mestre em filosofia pela USP.

Existe direita depois do Bolsonaro?

Segmento está com a reputação destroçada e precisará se reinventar

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Com a vitória, Lula tem algo que a maioria de nós nunca terá: uma segunda chance. E é a chance de mostrar que tem a grandeza para superar mágoas passadas e governar com a sociedade mais ampla, ou de fazer o governo mais ideológico, revanchista que seus adversários temem. Apenas ele pode decidir.

Do outro lado, do lado perdedor, do espectro da direita, não há uma chance, e sim uma dura imposição da realidade. A situação é dramática: a direita não apenas perdeu, como sua reputação está destroçada, e com razão. Precisará se reinventar.

Apoiadora de Jair Bolsonaro chora após derrota do presidente para Lula - André Borges - 30.out.22/AFP

Primeiro é preciso ter a dimensão da derrota de Bolsonaro: pela primeira vez na Nova República, o presidente perdeu a reeleição. Perdeu tendo em mãos a máquina pública e tudo que ela oferece. Lideranças políticas, ideológicas e espirituais que se renderam ao projeto alucinado do bolsonarismo lançaram suas próprias causas na lama.

Três valores em especial foram sacrificados neste culto fanático do poder, e precisarão ser resgatados para que uma direita digna renasça. O primeiro é a verdade. Anos de milícias digitais bombardeavam mentiras em tal quantidade que a própria distinção entre verdadeiro e falso parecia inexistir. O que me ajudava era verdadeiro, o que me atrapalhava era falso.

Valia tudo para destruir adversários e emplacar o próprio lado. Com isso, pessoas honestas foram seriamente prejudicadas e abriu-se o portão para todo tipo de baixeza. O desafio será sair desse relativismo num momento em que a esquerda aprende a se utilizar das mesmas armas.

O segundo valor é a ciência. O governo Bolsonaro elegeu a educação como a grande inimiga de sua gestão: a única pauta relativa a ela era negativa: militar contra a educação sexual nas escolas. De resto, nada fez pelo ensino básico nem pelo superior.

Na lógica bolsonarista, ser um "especialista" era algo negativo, pois significava que a pessoa não se submeteria sempre ao desígnio da chefia. Logo no início do governo, Bolsonaro acusou o INPE de estar a serviço de ONGs internacionais. No momento mais delicado da pandemia, o charlatanismo de uma cura milagrosa foi preferido às vacinas que estavam sendo desenvolvidas em velocidade recorde.

A direita precisa abraçar a causa da educação e da ciência, que aliás não iam bem durante os governos do PT. A fuga de cérebros para o exterior, a negligência com o ensino básico, a verdadeira fobia a qualquer finalidade profissional ou investimento privado no ensino. São áreas em que uma visão mais de direita segue necessária. Mas para isso é preciso amar, e não odiar, a ciência.

Por fim, a democracia, e com isso me refiro não apenas a seguir as regras do jogo eleitoral, como não pedir adiamento de eleição (isso é o básico do básico, embora hoje já não dê para pressupor), mas também todas as regras não escritas de que a democracia depende.

O epílogo do governo —a farsa de denúncias no pré-segundo turno, tentando adiar o pleito; os protestos de caminhoneiros bolsonaristas exigindo um golpe militar e a birra presidencial de adiar o reconhecimento das urnas que poderia pôr fim às arruaças golpistas— apenas sublinha tudo o que vivemos.

O problema é que valores e ideias, sozinhos, não movem a multidão. É preciso de pessoas, lideranças, que os encarnem na prática e na disputa política. Que os próximos anos sirvam para peneirar todos aqueles que pleiteiam um lugar de destaque no debate público. Se lideranças não mostrarem na prática que lealdade, responsabilidade e veracidade são possíveis na vida pública, aí é que os rachas profundos que nos separam virarão abismos realmente intransponíveis.

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