É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.
A epidemia dos não vacinados produzida por empresários da mídia dos EUA
Que direito têm Murdoch e Zuckerberg de convocar seu público a se suicidar?
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Imaginem um século 21 em que a poliomielite, o sarampo e a rubéola retornam em massa no mundo desenvolvido. Dezenas de milhares de crianças ficam paralisadas, apesar de a vacina contra a pólio ter sido descoberta em 1955. Este cenário não é ingrediente de um roteiro de distopia futurista, produzido em Hollywood no século passado.
Poderia ser ingrediente de uma receita corporativa cínica e niilista capitaneada por dois dos homens mais ricos do mundo, Rupert Murdoch e Mark Zuckerberg.
Toda noite, os 2,3 milhões de espectadores da Fox News, a rede de cabo mais assistida dos EUA, são bombardeados por mensagens antivacina. Tucker Carlson, o mais visível dos âncoras do horário nobre e a voz da ultradireita pós-Trump, convoca o culto trumpista a resistir a se imunizar, vomitando um picadinho de conspirações ideológicas.
No sábado (17), o dr. Anthony Fauci, o renomado virologista com mais de meio século de combate a doenças infecciosas, sugeriu, frustrado, que os EUA estariam ainda combatendo a pólio, a varíola e outros males erradicados há décadas se a mídia tivesse então o mesmo poder de combater imunização em massa. Ele lamentou que a motivação de cínicos como Carlson, que não citou por nome, seja puro branding ideológico, nicho de mercado.
O curioso é que a Fox tem tradicionalmente a audiência mais velha. Seus espectadores, este ano, têm média de 68 anos. Então, do ponto de vista cínico, do modelo de negócio, convocar os espectadores a se infectar não faz sentido. A não ser, como lembrou um comediante, que seu nicho de anunciantes se resuma a fabricantes de caixões e casas funerárias.
Quando agentes de saúde pública perguntam aos negacionistas da vacina, por que preferem arriscar a infecção, eles citam informações estapafúrdias disseminadas na rede social, e as plataformas do Facebook são campeãs das conspirações. Apesar do desabafo espontâneo de Joe Biden na semana passada sobre o Facebook –“eles estão matando gente!”–, a realidade é mais complexa e envolve também outras fontes, como agentes russos usando a mídia americana para espalhar desconfiança em vacinas produzidas no Ocidente.
Os Estados Unidos têm dezenas de milhões de doses de vacinas contra o coronavírus que vão expirar até o final de agosto. Enquanto todo o continente africano só conseguiu imunizar 1% da população, há vacinas sobrando aqui, entre o estoque existente e as já encomendadas, para imunizar toda a população do país, mesmo quando forem liberadas as doses para menores de 12 anos, o atual limite de idade aprovado pelo governo federal.
Pelo menos 52 milhões de doses deixaram de ser distribuídas por vários estados, e não se trata de excesso num estado e escassez em outro, algo que poderia ser resolvido com melhor coordenação.
Simplesmente não há demanda suficiente por vacinas no país, onde a pandemia voltou a se agravar nos 50 estados. Hoje, 95% dos infectados em hospitais não foram vacinados. Pelo menos 83% dos novos casos de coronavírus sequenciados são da virulenta cepa delta, cuja carga viral nos infectados é estimada por um estudo como mil vezes mais alta do que a da cepa alfa, que dominou a fase inicial da pandemia.
Que liberdade de expressão é esta que permite a dois oligopólios da mídia convocar seu público a se suicidar?
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