A decisão do comitê de supervisão do Facebook de manter Donald Trump banido de suas plataformas não é só um recado para líderes mundiais que usam a rede social para incitar violência, desinformar e minar democracias (tosse, tosse, Nero do Planalto). É um recado para o bilionário que gastou US$ 130 milhões montando o dito comitê.
O comunicado emitido nesta quarta (5), depois de mais de dois meses de debate sobre a suspensão do ex-candidato a ditador “por tempo indeterminado”, soa também como uma mensagem a Mark Zuckerberg: você não reuniu um time como o nosso para funcionar como latrina da sua irresponsabilidade social.
O comitê de 20 luminares, que inclui um prêmio Nobel da Paz, um ex-premiê e também o advogado e acadêmico brasileiro Ronaldo Lemos, colunista da Folha, aprovou a decisão de defenestrar Trump depois que ele postou um vídeo apoiando os invasores do Capitólio, no dia 6 de janeiro. Mas também condenou o comportamento invertebrado da plataforma, que tratou o extremismo das postagens de Trump com tolerância especial, sob a desculpa de que, como chefe de Estado, o que ele postava era notícia.
O comitê de supervisão disse a Zuckerberg que ele precisa estabelecer critérios para banir um usuário, respeitar o igualitarismo que diz defender e, de maneira geral, fazer escolhas, não improvisar, cada vez que seu modelo de negócio, 98% dependente de publicidade, provocar cenários trágicos como facilitar o genocídio da minoria rohingya em Mianmar.
A primeira declaração de Nick Clegg sobre a decisão do comitê foi um primor de hipocrisia, qualidade indispensável para quem ocupa o cargo de faxineiro, quer dizer, vice-presidente de Assuntos Globais do feudo planetário de Zuckerberg. Clegg escreveu no Twitter: “Agora vamos desenvolver uma resposta clara e proporcional”.
O que é proporcional a incitar uma revolta com mortes no Capitólio, tentar um golpe de Estado para cancelar a eleição e sugerir que as pessoas podem ingerir água sanitária para curar o coronavírus, perguntarão os mortais que tiveram a conta no Facebook suspensa por postar pinturas renascentistas com seios nus?
Se o nome Nick Clegg soa familiar, é porque ele foi vice-premiê britânico no primeiro mandato de David Cameron, conseguiu destruir a base eleitoral de seu partido, o Liberal Democrata, e atravessou o Atlântico em fuga do dever cívico de ajudar a combater o desastre do brexit que ajudou a criar, apoiando o conservador Cameron.
A maioria dos 2,8 bilhões de usuários da distopia criada por Zuckerberg vive fora dos Estados Unidos. Autocratas sanguinários como o indiano Narendra Modi, o filipino Rodrigo Duterte, o turco Recep Tayyip Erdogan, o aiatolá iraniano Ali Khamenei, além, é claro, do Nero do Planalto, aguardavam a decisão do Facebook, que pode ter mais do que consequências sobre a segurança de democracias. O Facebook, dono do Instagram e do WhatsApp, é parte integral das eleições na maioria dos países.
Donald Trump tinha presença maior no Twitter, onde chegou perto de 90 milhões de seguidores e usou a plataforma para demitir secretários, ameaçar países e anunciar outras decisões de governo. Jack Dorsey, diretor-presidente e fundador do Twitter, avisou que o banimento de Trump lá é definitivo.
Caros leitores, mal posso explicar o alívio de não ter mais que, por dever de ofício, passar sete dias por semana monitorando o ogro laranja na rede social, antes mesmo da primeira dose de cafeína matinal.
Mas o Facebook, plataforma na qual ele tinha 35 milhões de seguidores, é crucial para Trump aliviar os membros do culto de seus dólares suados.
A quadrilha do ex-presidente, reunida no resort de Mar-a-Lago, esperava ansiosa o anúncio do comitê para acelerar a arrecadação de fundos. Em jogo estão as eleições intermediárias de 2022, em que Trump está ativamente promovendo políticos leais e tentando derrotar republicanos que não beijam sua mão. E, acima de tudo, a eleição presidencial de 2024, que, ele jura, vai disputar.
A recomendação do comitê, que a direção do Facebook promete acatar, para a empresa apresentar uma solução para Trump daqui a seis meses, também dá tempo ao governo Biden. Ele pode tentar articular uma estratégia coerente para lidar com o monopólio obsceno de Zuckerberg e seu efeito na erosão democrática.
Afinal, não é à toa que Biden levou dois certos juristas de Nova York para o governo. Tim Wu e Lina Khan, ambos da Universidade Columbia, foram chamados para explorar soluções para o gigantismo do Facebook, Google e Amazon.
Zuckerberg detém o poder corporativo sobre o acesso de Trump a suas plataformas. Em política, seis meses podem ser uma eternidade. Mas o comitê que ele montou, esperando continuar impune, demonstrou lealdade maior à democracia.
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