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É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

Primeiro conflito de procurador em NY espelha menor apetite por reforma da Justiça nos EUA

Alvin Bragg mal tomou posse em Manhattan e descobre que cumprir promessas pode ser atalho para encurtar carreira política

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Eleitores são amantes volúveis. Num momento se encantam por uma ideia e cortejam o mais atraente político afinado com esse novo anseio, mas isso não garante ao eleito uma lua de mel.

O novo procurador de Manhattan, Alvin Bragg, mal tomou posse e descobriu que cumprir promessas de campanha pode ser o atalho para encurtar sua carreira política.

Bragg, que tomou posse no último dia 1º, é o primeiro negro a se eleger para o cargo de chefe da Justiça da ilha de Nova York —um posto de alta visibilidade. Herdou a investigação criminal das empresas dos Trumps, primeira-família que não só ocupou a Casa Branca como fez negócios com "famiglias" da máfia nova-iorquina.

O procurador de Manhattan, Alvin Bragg, conversa com jornalistas no dia de sua eleição para o cargo - Mike Segar - 2.nov.21/Reuters

Na semana passada, o procurador tomou o primeiro disparo do recém-empossado governo de Nova York.

A nova comandante da NYPD, a polícia municipal, Keechant Sewell, primeira mulher no cargo, mandou um email para os 36 mil agentes da cidade criticando duramente um memorando de Bragg em que ele recomenda à equipe de promotores evitar penas de prisão, a não ser para crimes graves, e indiciamentos por crimes leves —como o de um morador de rua que rouba algo para comer.

Foi essa promessa que elegeu Bragg e outros promotores públicos unidos pela bandeira da reforma do malvado sistema judicial dos Estados Unidos. O país tem a maior população carcerária do mundo (2,1 milhões de pessoas), excesso de penas para delitos leves de acusados com bons antecedentes e um sistema penitenciário frequentemente usado para punir doença mental e pobreza.

Depois de quase três décadas em queda, o crime voltou a subir nas grandes cidades americanas em 2020, mesmo ano em que explodiu a indignação com a morte do homem negro George Floyd, assassinado por um policial branco.

À medida que a pandemia e o crime avançaram por 2021, o apetite pelo policiamento progressista diminuiu. O novo prefeito Eric Adams, um ex-policial, derrotou rivais com mais experiência administrativa posando de durão e, como negro que já apanhou da polícia quando jovem, de simpatizante do movimento Black Lives Matter.

Eric Adams é conhecido pela devoção à lenda de Eric Adams. Sabe-se que ele escolheu a comandante Sewell (havia outras candidatas mulheres) depois de testar sua sagacidade em frente às câmeras. E é difícil imaginar que a comandante da NYPD fosse ameaçar abrir uma guerra com a Procuradoria de Manhattan sem antes consultar o chefe.

O desacordo entre Bragg e Sewell logo vazou e varreu das manchetes a estreia atrapalhada do novo prefeito. Seus anúncios sobre saúde pública, educação e pandemia têm um palavrório que evoca outro prefeito famoso. Nova York não é a fictícia Sucupira, mas quando ouço Adams falando de improviso sou remetida à cena de Odorico Paraguaçu (Paulo Gracindo) discursando em frente à ONU: "With me, it’s bread, bread, cheese, cheese" (comigo é pão, pão, queijo, queijo).

O vegano e musculoso Adams lembra um Odorico que levou um banho de consultoria da McKinsey.

O procurador de Manhattan enfrenta também artilharia da mídia nova-iorquina. Qualquer sinal de fraqueza no combate ao crime atrai atenção massiva, e Bragg no momento parece um alvo fácil para manchetes caça-cliques. Ele usa argumentos fortes, mas, apesar de Nova York não ser o microcosmo de um país, como a Sucupira de Dias Gomes, não eliminou completamente o impulso coronelista na política.

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