Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Lúcia Guimarães

Recusa de vacinas contra a Covid nos EUA testa ética médica

Com 2 anos de pandemia, profissionais na linha de frente não escondem mais sua indignação

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Numa região rural do Colorado, um homem vacinado que sofre de doenças gástricas e artrite reumatoide está perdendo a mobilidade e mal consegue se alimentar. O médico avisou que não pode marcar visita ao hospital mais próximo porque os leitos estão todos tomados por pacientes de Covid não vacinados.

Os casos se multiplicam em estados americanos com baixa taxa de imunização. Cirurgias eletivas são canceladas e tratamentos de câncer, retardados. A não ser que o paciente sofra uma emergência como infarto ou derrame, equipes exaustas em hospitais lotados não podem oferecer cuidados.

No Bronx, o bairro mais pobre de Nova York, infame por apresentar alguns dos piores índices de saúde pública do país, uma médica especializada em atendimento de famílias descobriu que a decisão de trocar de hospital não a poupa de horrores que testemunhou no começo da pandemia.

Homem passa em frente a hospital de Nova York, nos EUA - Wang Ying - 13.dez.21/Xinhua

Ela se demitiu de um prestigiado hospital particular de Manhattan com estafa e depressão, depois de mais de um ano atendendo infectados na emergência. Há seis meses no Bronx, agora enfrenta não só a rotina epidêmica de doenças crônicas como asma e diabetes, entre as famílias do bairro, mas também a ignorância e a resistência às vacinas.

Na segunda (13), a Suprema Corte americana recusou uma ação de médicos, enfermeiros e outros trabalhadores de saúde de Nova York que queriam isenção religiosa para recusar a vacina. O governo do estado mantém o direito de impor a exigência do imunizante, abrindo rara exceção para casos de pacientes que tiveram reação alérgica a uma dose anterior.

A explosão de casos da variante delta, no segundo semestre deste ano, quando a maioria dos americanos já tinha vasto acesso a vacinas, acendeu o debate ético: um médico tem o direito de negar assistência a quem recusa a vacina?

A Associação Médica Americana (AMA) responde que apenas o status vacinal de um paciente não justifica negar o atendimento. Porém, lista situações em que a decisão deve ficar a critério dos médicos, sem violação do código de ética.

É preciso levar em conta se o paciente enfrenta uma situação de emergência e se, apesar do fácil acesso ao imunizante, ele está arriscando a saúde de outros pacientes vulneráveis, um risco que aumenta de acordo com a especialidade médica do local de atendimento.

A avaliação ética entra numa área mais cinzenta quando se leva em conta a saúde de médicos e enfermeiros. Recursos como equipamento de proteção pessoal ou áreas reservadas a não vacinados variam em hospitais e consultórios.

A propagação da variante ômicron nos meses do inverno do hemisfério Norte deve acirrar o debate moral, não só entre profissionais de saúde, mas também entre vacinados forçados a conviver no trabalho com negacionistas da vacina. Nem todas as escolhas hão de ser anunciadas oficialmente.

A triagem médica é uma realidade de situações de vítimas em massa, como soldados em guerra. Sabemos de casos individuais, como um grupo médico do Texas que considerou usar o status vacinal como critério para admissão em UTIs.

Recusar atendimento por raiva de um paciente constitui, claro, uma violação ética. Mas, com dois anos de pandemia, os trabalhadores na trincheira da Covid não escondem mais sua indignação. É difícil sentir compaixão por quem escolhe se infectar e arriscar a vida dos próximos. A única proteção eficaz, no momento, são decisões judiciais como a da Suprema Corte sobre a vacina obrigatória em Nova York.

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