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Marcelo Damato tem 35 anos de jornalismo. Dedica-se à cobertura do poder, no futebol e fora dele

Viciados em Copa já sofrem abstinência; em 2026, haverá overdose

Próximo Mundial não será aquele de 32 seleções, cultivado artesanalmente em gramados ao longo de 24 anos

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Faz dias que a Copa acabou, que Messi subiu ao Olimpo e alguns argentinos enlouquecidos subiram na ponta do Obelisco, no centro de Buenos Aires. Nesta terça-feira (20), os campeões desfilaram. E agora?

Agora começa a espera, a seca. Para quem não é argentino, a saudade já começou no domingo. A pessoa acorda na expectativa por um mais jogo e logo descobre que não tem. Os programas esportivos começam a mudar de assunto. Nos que não mudaram, os comentaristas nitidamente enrolam, pois não têm mais assunto.

Nas ruas, não há mais alegria. Nos bares, os bate-papos murcham. Todo o mundo tem seu time, mas falar de Copa do Mundo tem outro astral.

Messi tira a tradicional foto na cama com a taça; jogadores campeões fazem festa na Argentina nesta terça-feira (20) - @leomessi no Instagram

A síndrome de abstinência cresce a cada dia. É um misto de vazio, saudade e depressão. A OMS ainda não classificou essa condição como doença mental, mas qualquer dia vai anunciar a Síndrome de Abstinência de Copa do Mundo (Sacom). Quem sofre dela, como eu, torna-se sacomético.

A vida do escritor uruguaio Eduardo Galeano (1940-2015) representou bem essa fissura. A cada Mundial, colocava uma placa em sua porta com a expressão: "Fechado por Motivo de Futebol". Naquele mês, não saía de casa. E, na hora dos jogos, desligava a campainha e o telefone.

Ele não é o único. Especialmente depois de uma final histórica, o número de sacométicos dispara. Desde segunda-feira, eles começam a surgir em todo o mundo.

E, onde há dependentes, há sempre algum fornecedor.

O presidente da Fifa, Gianni Infantino, promete-nos uma Copa do Mundo mais potente em 2026. Não será a velha Copa de 32 seleções, cultivada artesanalmente em gramados ao longo de 24 anos.

A nova Copa, mais potente, terá 48 seleções. Conscientes de seu poder viciante (e de seu preço) ainda maior, algumas federações, governos e compradores de direitos reagiram.

Infantino, como um traficante experiente, diz que não haverá grande impacto.

Primeiro sugeriu que 32 equipes teriam de fazer um mata-mata, que mandaria 16 seleções e sues torcedores para casa imediatamente. E a Copa voltaria aos 32 de sempre.

Como ninguém gostou, tentou a fórmula de 16 grupos de três, que aumentaria o número de jogos de 64 para 80, apenas 25% a mais.

Novamente, surgiram críticas –e Infantino contava com isso.

No fim do Mundial, anunciou que está pensando em 12 grupos de 4, levando o total de jogos para estonteantes 104, um aumento de 63%. Será uma overdose de Copa. E não para por aí.

Em julho de 2023, haverá o Mundial feminino. O efeito sobre a síndrome é bem pequeno, mas já dá um refresco. Em 2025, deverá acontecer o recém-anunciado Mundial de Clubes. Serão 32 clubes, uma novidade. A ver o efeito sobre a Sacom.

Essas mudanças, se impactam os torcedores, não são tomadas por causa deles, mas pela política interna da Fifa. Infantino precisa manter engajados seus eleitores, os presidentes das federações, com um volume crescente de vagas em competições, valores nos contratos comerciais e ameaças de retaliação. A Fifa é um monstro faminto, que precisa crescer sempre, mesmo que isso um dia isso a leve à morte.

Apesar de todo o desconforto com o período sem Copa, é preciso resistir à banalização. Infantino já tentou organizar a Copa de dois em dois anos. Foi gongado com razão.

De um certo jeito, as Copas são como a ceia de Natal. Se é possível consumir o ano todo, perde sua graça.

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