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Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Contra ONGs, Aras comete fake news no Supremo

PGR mente ao dizer que há 3.000 ONGs na Amazônia e 300 no restante do país

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A "pauta verde" no Supremo Tribunal Federal, conjunto de sete ações sobre a blitz de Jair Bolsonaro contra o ambiente, já tomou quatro sessões do STF. Sobressaiu no palavrório a mentira do procurador-geral da República, Augusto Aras, na quinta-feira (7), sobre as ONGs no Brasil.

A famiglia do presidente e seguidores fanáticos propagam que organizações não governamentais ambientalistas defendem interesses internacionais na Amazônia, velha ideia fixa de milicos. Nesse delírio da caserna, seriam a quinta coluna atuante para entregar o ouro e o nióbio das terras indígenas a estrangeiros.

Nada mais previsível, então, que mentir para exagerar a quantidade de inimigos na selva. Aras assim procedeu, na presença dos ministros, ao lançar mão de suposto "levantamento feito pela imprensa e órgãos oficiais".

Procurador-geral da República Augusto Aras durante durante sessão plenária do STF - Fellipe Sampaio - 8.set.21/STF

"Importante registrar que devemos ter certas cautelas, não em particular com os ‘amici curiae’ que vêm a esta casa representando ONGs ambientalistas, mas não é despiciendo lembrar que há cinco anos [...] havia neste país 3.300 ONGs, 3.000 na Amazônia e 300 no resto do Brasil", meteu o chefe do Ministério Público Federal.

Deixo para o colega Sérgio Rodrigues pronunciar-se sobre o "despiciendo", ainda que ele não seja de gastar vela com mau defunto. Esta coluna trata de ciência e ambiente, e nos dois assuntos precisão e fonte de números são cruciais.

Não na sustentação do PGR, porém. Para bajular Bolsonaro, o procurador recusou todas as sete ações, inclusive uma movida por sua própria instituição. Aras não declinou a origem exata do dado usado para justificar não haver obrigação constitucional de manter ONGs no Fundo Nacional do Meio Ambiente.

Os argumentos jurídicos que precederam a informação fraudulenta ("fake news", na novilíngua das redes sociais) são até ponderáveis. O adendo ideológico e apócrifo, entretanto, não se sustenta.

Uma busca na rede com as cifras mencionadas rendeu a possível proveniência da inverdade, mesmo que em números discrepantes. Tomando as dores de Bolsonaro em bate-bocas com Emmanuel Macron, presidente da França, o embaixador naquele país, Luís Fernando Serra, saíra-se com esta em 2019:

"Dá para desconfiar que tem uma agenda escondida quando você vê 300 ONGs na Amazônia e zero no Nordeste. Por que 55 milhões de nordestinos não mereceram uma ONG, e os 25 milhões que moram na Amazônia mereceram 300?"

A leviandade que une os próceres do Itamaraty e do parquet (MPF) se desmascara ao buscar na internet os órgãos oficiais a que Aras aludiu sem consultar. Encontram-se logo dois levantamentos sobre ONGs, do IBGE e do Ipea; embora com dados incongruentes, nenhum deles confirma a invenção do procurador.

O IBGE registrou no levantamento "As Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos no Brasil", de 2016, um total de 236.950 dessas entidades. Nesse conceito amplo de ONG, havia meras 1.689 dedicadas ao ambiente (0,7%) e 83.053 à religião (35,1%), a campeã.

A distribuição nacional tampouco tem algo a ver com a fabulação de Serra e Aras: 3,9% estão na região Norte, contra 18,8% no Nordeste.

Em 2020 o Ipea contou 781.921 entidades no seu "Mapa das Organizações da Sociedade Civil", com base na noção ainda mais extensa de OSC. Neste caso, são 58.878 no Norte (7,5%), e 201.336 no Nordeste (25,7%).

De um advogado-geral como Bruno Bianco só se espera uma fieira de falsidades para defender o presidente e sua política de devastação (não a União esbulhada em patrimônio natural). De um procurador-geral se desejaria mais independência institucional —mas não de Aras, que parece disposto a tudo por uma vaga no STF.

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