Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Marcelo Leite
Descrição de chapéu Coronavírus Prevent Senior

Bolsonaro e camisas amarelas promovem ética de Mengele na pandemia

Médicos e outros fanáticos desprezam dignidade humana em plena pandemia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Quem não estiver chocado com o tratamento dado pela Prevent Senior a pacientes de Covid tem algum defeito no compasso ético. Qualquer pessoa decente e de bom senso logo vê que os dirigentes do plano hospitalar cometeram barbaridades de inspiração nazista.

Acha forte demais a palavra? Na essência, o que ali se perpetrou não difere das ações do médico Josef Mengele em campos de concentração: fazer experimentos com o corpo e a vida dos outros sem consentimento implica desprezo pela dignidade humana.

Não foi só o fraudulento “tratamento precoce”. A direção do plano de saúde de idosos determinou alterações de diagnóstico nos prontuários omitindo Covid, dado que desapareceu também de certidões de óbito para melhorar estatísticas da cloroquina, bem ao gosto do presidente Jair Bolsonaro.

Fachada do hospital Sancta Maggiore, da Prevent Senior, na rua Maestro Cardin no Paraiso, zona sul de São Paulo
Fachada do hospital Sancta Maggiore, da Prevent Senior, na rua Maestro Cardin no Paraiso, zona sul de São Paulo - Rubens Cavallari - 20.mar.20/Folhapress

Hitler e seguidores não foram os únicos a cruzar aquela linha, embora a escala da desumanidade contra judeus se destaque com justiça na história da infâmia. Não faltam exemplos mesmo em nações que se vangloriam como faróis da liberdade e da democracia.

De 1932 a 1972 médicos dos EUA deixaram sem tratamento 399 homens negros com sífilis para observar a progressão da doença, no experimento de Tuskegee. Em 1961, militares franceses testaram efeitos de radiação nuclear em soldados durante explosões no Saara.

Os horrores da Segunda Guerra já haviam legado o Código de Nuremberg (1947), mas diretrizes de bioética nem por isso fincaram raízes na consciência de autoridades e cientistas. Para torná-las mandatórias veio a Declaração de Helsinque (1975), que consagrou o consentimento voluntário e informado como pedra angular da pesquisa biomédica.

Mengele não foi julgado em Nuremberg; acreditava-se que estivesse morto (na realidade, morreu no Brasil em 1979). É possível fantasiar que, se tivesse deposto, seu testemunho não diferisse muito do que falou à CPI da Covid Pedro Benedito Batista Júnior, diretor-executivo da Prevent.

Batista, que serviu um ano como tenente-médico do Exército, invocou a linha de defesa “autonomia do médico” tirada da manga pelo Conselho Federal de Medicina para justificar a prescrição em massa de cloroquina. Médicos da Prevent testemunham, contudo, terem sido forçados a receitar o remédio.

Não se trata de exceção, mas de padrão no comportamento de médicos bolsonaristas. Ao menos dois precedentes estão à vista: teste clandestino do remédio experimental chinês proxalutamida no Hospital da Brigada Militar de Porto Alegre; mortes de mulheres após nebulização com hidroxicloroquina no Instituto da Mulher Dona Lindu, em Manaus.

O exemplo de indignidade vem de cima. Do presidente Jair Bolsonaro, que se aglomerou com apoiadores em Nova York depois de saber que o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, estava com Covid. Do próprio Queiroga, que, vacinado e infectado, retuitou nota pondo imunizantes em dúvida.

Da deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP), que defendeu Queiroga por supostamente impedir que adolescentes fossem tratados como cobaias de vacina (a diretriz do ministro foi revertida sob pressão do corpo técnico da pasta).

Do empresário Luciano Hang, que explorou a morte da mãe em redes sociais para dizer que o tratamento precoce a poderia ter salvado da Covid (condição omitida no óbito, sendo que a idosa havia, sim, recebido o coquetel e até ozônio retal em hospital da Prevent).

Daí para baixo, a lista da infâmia epidêmica parece não ter fim: Nise Yamaguchi, Ciro Nogueira, Alexandre Garcia, Paolo Zanotto, Eduardo Bolsonaro, Mayra Pinheiro, Augusto Nunes, Eduardo Pazuello, Mauro Ribeiro, Guilherme Fiuza, Elcio Franco, Flávio Cadegiani, Walter Braga Netto, Leda Nagle, Ricardo Zimerman, Luiz Carlos Heinze, Michelle Chechter, Allan dos Santos, Onyx Lorenzoni, Oswaldo Eustáquio...

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.