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Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

Descrição de chapéu Páscoa

Nesta Páscoa, celebre a droga leve que a natureza pôs no cacau

O chocolate, manjar divino, existe para partilhar com quem se ama, crentes, pagãos ou ateus

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Ovos de Páscoa guardam muito mais camadas do que as de chocolate aderidas a uma forma. Quem come o doce, neste domingo de alegria ressuscitada, nem imagina quanta história e quanta química cabe dentro desse signo ancestral de fertilidade gourmetizado para o paladar contemporâneo.

Ovos de Páscoa já existiam na Europa bem antes de ali chegar o chocolate. Ovos de galinha eram presenteados para encerrar o jejum da Quaresma, ou pintados com a cor do sangue de Cristo para lembrar sua paixão (sofrimento).

Linha de produção da fábrica de chocolate Di Siena, em Perdizes (SP) - Eduardo Knapp - 21.mar.23/Folhapress

Como receptáculos de vida nova, os ovos simbolizam a ressurreição. Ou então, uma vez drenados de conteúdo e decorados, o sepulcro vazio do Messias renascido. A simbologia é pródiga, renovada a cada geração que comemora a festa em família.

A incorporação do cacau constitui ainda uma marca daquele que foi talvez o maior encontro de civilizações da história, entre Velho e Novo Mundo. (Sim, foi também, e principalmente, um choque de civilizações, com proporções genocidas sob o tacão colonizador, mas o dia hoje não é para verdades amargas.)

Amargo, de toda forma, era o sabor da bebida preparada com o pó das drágeas da árvore Theobroma cacao por povos originários do México e outras partes da América. Na Europa, acabou misturado com açúcar e leite, alquimia que o transmutou na delícia do chocolate, como bebida ou sólido.

O primeiro nome científico da planta, que em latim quer dizer algo como alimento dos deuses ou manjar divino, poderia sugerir algum elo com a religião cristã e a Páscoa, só que não. É apenas uma celebração de seu sabor celestial.

Do mesmo gênero é o cupuaçu (Theobroma grandiflorum). Ambas as iguarias cabem bem na classe dos aptônimos, como diria o confrade Claudio Angelo, na qual o nome da coisa ou da pessoa combina à perfeição com seu traço mais saliente —como Marília Marreco, secretária de Meio Ambiente e Proteção Animal do DF.

Do nome feliz se batizou o principal alcaloide do cacau, a teobromina. Trata-se de uma xantina, estimulante próximo da cafeína. Embora com efeito menos pronunciado sobre o cérebro que o café, persiste a lenda de que o chocolate pode também estimular a cognição.

Já entre os povos originários da América se atribuíam ao cacau vários benefícios para a saúde, até mesmo afrodisíacos (outra associação com fertilidade e reprodução, mas que não combina muito com a Páscoa em família). Certo é que chocolate baixa a pressão sanguínea e acelera os batimentos cardíacos.

Mais duvidosa é a crença de que chocolate cause dependência, ou pelo menos que o responsável por tornar as pessoas chocólatras seja a teobromina, prima da cafeína. O alcaloide típico do cacau tem mais dificuldade que o do café para ultrapassar a barreira hematoencefálica e chegar ao cérebro, sugerindo que a culpa recaia mais sobre o açúcar e a gordura das barrinhas viciantes.

Embora sem propriedade psicoativa destacada, ingere-se o cacau —amargo, preparado só com água, eventualmente com especiarias— como sacramento em cerimônias de povos indígenas do México, por exemplo. É considerado uma planta sagrada, como os potentes tabaco (nicotina) e peiote (cacto com o psicodélico mescalina).

Melhor parar por aqui, pois a conversa que começou com ovos de Páscoa já caminha para soar pecaminosa a ouvidos cristãos. Celebrem-na com os seus e com chocolate, ou qualquer outro alimento. Divino, de verdade, é poder sentar-se à mesa e compartilhar as dádivas da natureza.

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