Siga a folha

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

Descrição de chapéu inflação juros

Um pouso suave nos EUA é possível, mas improvável

É otimista pensar que uma recessão não será necessária para conter a inflação, assim como a ideia de que é possível evitá-la

Assinantes podem enviar 5 artigos por dia com acesso livre

ASSINE ou FAÇA LOGIN

Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:

Oferta Exclusiva

6 meses por R$ 1,90/mês

SOMENTE ESSA SEMANA

ASSINE A FOLHA

Cancele quando quiser

Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.

"A inflação está alta demais e entendemos as dificuldades que está causando, e estamos agindo energicamente para fazê-la baixar. Temos as ferramentas de que precisamos e a decisão que será necessária para restaurar a estabilidade dos preços em favor das famílias e empresas americanas."

Assim Jay Powell, presidente do Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, iniciou a entrevista coletiva após a reunião do Fomc (Comitê Federal de Mercado Aberto, na sigla em inglês) na semana passada. Foi um pedido de desculpas servil. Mas também pareceu muito o célebre comentário de Mario Draghi —"o que for necessário"— em julho de 2012.

O que o renovado compromisso do Fed de baixar a inflação significa para o futuro? Powell afirmou de maneira otimista que "temos uma boa chance de ter um pouso suave ou quase suave".

Com isso ele quis dizer que a demanda se reaproximará da oferta, o que por sua vez poderá "baixar os salários e a inflação sem ter de desacelerar a economia e ter uma recessão e fazer o desemprego aumentar materialmente". Ele também afirmou que "a economia está forte, bem posicionada para lidar com a política monetária mais firme, mas direi que prevejo que isto será muito desafiador".

O mais intrigante sobre essa linha de argumentação não é a confissão de que o caminho sugerido será duro de alcançar, mas a crença de que ele chegará ao seu destino. Seria possível reduzir a inflação à meta apenas podando o superaquecimento do mercado de trabalho?

Presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, durante comissão no Senado dos Estados Unidos - Tom Williams - 3.mar.2022/Reuters

Alguns sugerem que pode ser. Alan Blinder, da Universidade Princeton e ex vice-presidente do Fed, comentou recentemente que em pelo menos sete das últimas 11 ocasiões o endurecimento do Fed levou a pousos "bastante suaves". A dificuldade dessas comparações é que a inflação hoje está em seu nível mais alto em 40 anos. Até a inflação anual "central", de preços ao consumidor menos energia e alimentação, foi de 6,5% no ano até março de 2022.

Se alguém acredita que ela simplesmente vai se desfazer depois de um endurecimento modesto, deve pensar que a inflação é na maior parte "transitória". Isso é altamente otimista. Crucialmente, os EUA desfrutaram de uma recuperação excepcionalmente vigorosa. O aumento da produção no ano passado foi muito mais forte do que em outros importantes países de alta renda.

A recuperação do mercado de trabalho foi robusta, com alta vacância e taxas de saída e um ágil retorno ao baixo desemprego. Só as taxas de emprego continuam um pouco abaixo de picos anteriores. Além disso, o crescimento dos salários também foi forte, como diz Jason Furman, ex-presidente do Conselho de Assessores Econômicos, embora esteja desacelerando um pouco.

A dificuldade é que, ao contrário dos protestos de Powell, a inflação em geral não desaparece simplesmente numa economia tão forte. Sem dúvida, uma parte da inflação medida se deve a restrições de oferta doméstica e global, discutidas em detalhe no Relatório Econômico do Presidente no mês passado. Mas essa também é uma maneira de dizer que o excesso de demanda hoje está pressionando a oferta no país e no exterior.

Se Powell estiver certo, as restrições de oferta devem pelo menos não piorar, enquanto as empresas e os trabalhadores afetados negativamente por elas devem aceitar sem reclamar a redução de lucros e rendas reais. Mas por que deveriam fazer isso?

Furman comenta: "O aumento de 8,5% no índice de preços ao consumidor nos 12 meses até março é muito mais rápido do que o ritmo do crescimento nominal dos salários, levando às quedas mais rápidas dos salários reais ao longo de um ano nos últimos 40 anos". As condições para uma espiral de custos e preços existem hoje. A esperança, em vez disso, deve ser que as restrições na oferta e no mercado de trabalho se revertam, gerando queda de preços e assim eliminando quase toda a necessidade de recuperar as rendas perdidas.

A visão de que uma recessão significativa não será necessária para conter a inflação é otimista. Mas essa não é a única forma de otimismo que se vê hoje. A outra é a ideia de que essa recessão pode ser evitada. A dificuldade aqui é que fazer uma desaceleração em sintonia fina será ainda mais difícil do que normalmente é. Uma incerteza é que as rendas reais menores devido à inflação alta provavelmente conterão a demanda, mas até onde elas o farão depende da vontade dos consumidores de gastar as economias feitas durante a recessão induzida pela Covid.

Outra incerteza, provavelmente mais importante, é sobre como a política monetária mais dura afeta as condições financeiras nos EUA e em outros países. Não devemos esquecer que há níveis excepcionalmente altos de dívida denominada em dólares em todo o mundo.

Além disso, os preços dos ativos também alcançaram níveis extremos: os preços da habitação nos EUA (medidos no Índice Nacional de Preços de Residências S&P/Case-Shiller, deflacionados pelo índice de preços ao consumidor) em fevereiro de 2022 foram 15% mais altos que antes da crise financeira; e a proporção de preços/ganhos sobre ações, ajustada ciclicamente, foi mais alta do que em qualquer período desde 1881, exceto o final dos anos 1990 e início dos 2000.

Colapsos nos preços dos ativos em reação ao endurecimento monetário turbocarregaria a política do Fed, mas de maneira imprevisível. Até uma ação modesta do Fed teve grandes impactos: as taxas de juros saltaram e os mercados entraram em turbulência. O que vimos é o fim desse tumulto ou, como parece mais provável, apenas seu começo?

Exceto para os historiadores, talvez seja inútil perguntar como entramos nessa confusão. Obviamente, deve-se em parte a choques imprevisíveis. Mas os políticos têm estado otimistas demais sobre a inflação. Eles deveriam ter começado a normalizar uma política monetária introduzida em uma crise extraordinária quando o pior tivesse passado. O Fed está retirando a poncheira tarde demais.

Infelizmente, é muito provável que agora seja necessária uma recessão para manter sob controle as expectativas de inflação. Além disso, mesmo que venha a ser desnecessária, porque a inflação simplesmente desapareça, uma recessão ainda pode ocorrer, simplesmente porque até uma política modestamente mais rígida causa o caos nos frágeis mercados de ativos de hoje. Mas o Fed tem de sustentar sua credibilidade combalida em relação à inflação. Esse é o coração do mandato do banco central. Ele precisa juntar sua coragem e fazer o que é necessário.

Receba notícias da Folha

Cadastre-se e escolha quais newsletters gostaria de receber

Ativar newsletters

Relacionadas