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Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, ensina relações internacionais na UFABC

COP26 deve escancarar EUA como centro do negacionismo climático

Cúpula em Glasgow pode ser palco do paradoxo da aposta de Biden na agenda pró-clima

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Depois da traumática eleição do ano passado, os mais otimistas previam que Joe Biden reeditaria a façanha de Lyndon Johnson, o tenaz presidente que venceu as resistências do Senado na batalha pelos direitos civis e transformaria os Estados Unidos.

As últimas semanas mostraram que nada será fácil para o democrata. O elemento central de sua política climática, um pacote de estímulos para acelerar a transição energética, está sendo travado pelo senador da Virgínia Ocidental Joe Manchin, um histórico defensor da causa da energia fóssil.

O presidente dos EUA, Joe Biden, participa de reunião na Casa Branca, em Washington - Jonathan Ernst - 17.set.21/Reuters

O fracasso anunciado da agenda doméstica do governo Biden é um condicionante de primeira importância na COP26, que será dominada pela competição entre superpotências.

Washington gastou todo o seu capital diplomático tentando assumir o comando das negociações climáticas. Biden planeja enviar metade de seu gabinete ministerial a Glasgow, numa delegação chefiada pelo enviado especial para o clima John Kerry.

Seu objetivo é restaurar a liderança global dos EUA após ceder o lugar à China durante a pandemia.

O momento é oportuno. Pela primeira vez, Pequim entrará em campo na condição de maior poluente do mundo. Sozinha, a China supera em emissões todos os países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) juntos —em termos de poluição per capita, a realidade é outra.

Atento ao risco de a COP virar uma operação anti-China, Xi Jinping ainda não confirmou sua presença.

Porém, incapaz de entregar uma agenda doméstica à altura das suas ambições, Biden será visto como um pato manco na grande mesa de Glasgow. Lá, todos sabem que, além de ser refém de um mero senador, ele tem de conviver com a ameaça trumpista, a maior força negacionista do mundo.

As belas palavras do democrata na COP podem virar pó após as eleições de meio de mandato em 2022.

O poder de negociação do governo Biden também é condicionado pelo temor de ceder terreno à China em outros assuntos estratégicos. Se o presidente americano cita o clima como prioridade absoluta e o seu enviado especial Kerry possui um prestígio global inquestionável, a realidade burocrática é outra.

Como ficou claro nas relações com o Brasil, em que o conselheiro de Segurança Nacional Jake Sullivan e Kerry mantiveram discursos contraditórios quanto ao governo Bolsonaro, a agenda climática, na cabeça dos altos funcionários americanos, jamais pode avançar à custa de concessões em Defesa e tecnologia.

A política do clima é um jogo de duas faces. A China é líder da indústria de renováveis e maior consumidora de carvão. Na Europa, França e Alemanha estão na dianteira das medidas ambientais, mas não hesitam em entregar as indústrias poluentes para os países do Leste.

Os Estados Unidos mal conseguem sustentar o mito de Jano, o deus romano das mudanças e transições. O discurso maravilhoso de Biden nada tem a ver com a realidade brutal do atraso americano.

As implicações são globais. Na última década, os Estados Unidos se tornaram o maior produtor global de petróleo e gás. Os outros países do ranking, como Rússia, Canadá e Arábia Saudita, jamais se sentirão obrigados a mudar o seu paradigma energético enquanto Washington estiver na frente da barricada.

Glasgow deve escancarar um paradoxo: a aposta na agenda pró-clima de Biden só serviu para revelar Washington como a capital do negacionismo climático.

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